PATRONO – MANUEL BANDEIRA

CADEIRA 05 – ARTUR LAIZO

Manuel Bandeira, cujo nome completo é Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nascido em Recife/PE, em 19/abril/1886, e falecido em 13/10/1968, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Aos dez anos de idade mudou-se para o Rio de Janeiro onde estudou no Colégio Pedro II entre os anos de 1897 a 1902. Mais tarde, formou-se em Letras.

Em 1903, começa a estudar Arquitetura na Faculdade Politécnica em São Paulo. No entanto, abandona o curso, pois sua saúde fica frágil. Diante disso, procura curar-se da tuberculose em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Suíça, onde permanece durante um ano.

Os gêneros literários a que o autor se dedica são: poesia, crônica, contos, romance, e seu estilo literário, no início, teve influências parnasianas; mais tarde, adotou o Modernismo.

De volta ao Brasil, em 1914, dedica-se a sua verdadeira paixão: a literatura. Durante anos de trabalhos publicados em periódicos, publica seu primeiro livro de poesias intitulado “A Cinza das Horas” (1917).

Nessa obra, merece destaque a poesia “Desencanto” escrita na região serrana do Rio de Janeiro, Teresópolis, em 1912, durante a recuperação de sua saúde: Era solteiro. Não teve filhos.

DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora

De desalento... de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...

Tristeza esparsa... remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Na obra de Manuel Bandeira, há a presença marcante da religião. Santas Tereza, Clara, Maria e o Natal são temas comuns em seus poemas.

Acometido pela tuberculose, escreveu o poema "Pneumotórax". Trata-se de uma pequena narrativa poética em terceira pessoa que representa uma consulta médica.

Manuel Bandeira se considerava um poeta ruim e um cronista de província.

Ele também ficou conhecido por traduzir para o português as obras de Brecht, Shakespeare e Schiller.

Ele costumava se gabar de um suposto encontro com Machado de Assis, aos dez anos de idade, numa viagem de trem. Dizia ter puxado conversa: "O senhor gosta de Camões?". Na ocasião, Bandeira teria recitado uma oitava de "Os Lusíadas", que Machado de Assis não lembrava. Na velhice, confessou que tinha inventado essa estória para impressionar os amigos.

Semana de arte moderna de 1922 – assistiu de longe, fez sucesso com o poema “os sapos”, mas não aceitava a intensidade dos ataques aos parnasianos e simbolistas.

OS SAPOS

Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- "Meu pai foi à guerra!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: - "Meu cancioneiro

É bem martelado.

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:

- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

- A grande arte é como

Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas,

- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é

Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio...

Manuel Bandeira publicou uma vasta obra até sua morte, desde contos, poesias, traduções e críticas literárias. Foi professor de Literatura Universal no Externato do Colégio Pedro II, em 1938. Professor de Literatura Hispano-Americana, de 1942 a 1956, da Faculdade Nacional de Filosofia, onde se aposentou.

Assumiu a vaga na Academia Brasileira de Letras – cadeira 24 eleito em 29 de agosto de 1940. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 82 anos, em 13 de outubro de 1968, vítima de hemorragia gástrica.

OBRAS

Manoel Bandeira possui uma das maiores obras poéticas da moderna literatura brasileira, dentre poesias, prosas, antologias e traduções:

POESIA

A Cinza das Horas (1917)

Carnaval (1919)

Libertinagem (1930)

Estrela da Manhã (1936)

Lira dos Cinquent'anos (1940)

PROSA

Crônica da Província do Brasil (1936)

Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro (1938)

Noções de História das Literaturas (1940)

Autoria das Cartas Chilenas (1940)

Literatura Hispano-Americana (1949)

De Poetas e de Poesia - Rio de Janeiro (1954)

A Flauta de Papel - Rio de Janeiro (1957)

Itinerário de Pasárgada (1957)

Andorinha, Andorinha (1966)

ANTOLOGIA

Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica (1937)

Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana (1938)

Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos (1946)

Antologia Poética (1961)

Poesia do Brasil (1963)

Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas (1966)

PORQUINHO-DA-ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-índia.

Que dor de coração me dava

Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele prá sala

Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos

Ele não gostava:

Queria era estar debaixo do fogão.

Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.

— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…

— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcaloide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente

protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário

o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais

Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção

Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador

Político

Raquítico

Sifilítico

De todo lirismo que capitula ao que quer que seja

fora de si mesmo

De resto não é lirismo

Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante

exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes

maneiras de agradar às mulheres, etc

Quero antes o lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedos

O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

CONSOADA

Quando a Indesejada das gentes chegar

(Não sei se dura ou caroável),

talvez eu tenha medo.

Talvez sorria, ou diga:

— Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com os seus sortilégios.)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,

A mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.

O ANEL DE VIDRO

Aquele pequenino anel que tu me deste,

— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou

Assim também o eterno amor que prometeste,

— Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,

Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —

Aquele pequenino anel que tu me deste,

— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe

Gritando maldições contra aquilo que amou.

De ti conservo no peito a saudade celeste

Como também guardei o pó que me ficou

Daquele pequenino anel que tu me deste

CHAMA E FUMO

Amor – chama, e, depois, fumaça…

Medita no que vais fazer:

O fumo vem, a chama passa…

Gozo cruel, ventura escassa,

Dono do meu e do teu ser,

Amor – chama, e, depois, fumaça…

Tanto ele queima! e, por desgraça,

Queimando o que melhor houver,

O fumo vem, a chama passa…

Paixão puríssima ou devassa,

Triste ou feliz, pena ou prazer,

Amor – chama, e, depois, fumaça…

A cada par que a aurora enlaça,

Como é pungente o entardecer!

O fumo vem, a chama passa…

Antes, todo ele é gosto e graça.

Amor, fogueira linha a arder!

Amor – chama, e, depois, fumaça…

Porquanto, mal se satisfaça

(Como te poderei dizer?…),

O fumo vem, a chama passa…

A chama queima. O fumo embaça.

Tão triste que é! Mas… tem de ser…

Amor?… – chama, e, depois, fumaça:

O fumo vem, a chama passa…

A ESTRELA

Vi uma estrela tão alta,

Vi uma estrela tão fria!

Vi uma estrela luzindo

Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!

Era uma estrela tão fria!

Era uma estrela sozinha

Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância

Para a minha companhia

Não baixava aquela estrela?

Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda

Responder que assim fazia

Para dar uma esperança

Mais triste ao fim do meu dia.

O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo

Quero apenas contar-te a minha ternura

Ah se em troca de tanta felicidade que me dás

Eu te pudesse repor

– Eu soubesse repor –

No coração despedaçado

As mais puras alegrias de tua infância!

VERSOS ESCRITOS N’ÁGUA

Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho

Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Alguma sombra de beleza…

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.

POEMA DO BECO

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

-O que vejo é o beco.

BELO BELO

Belo belo belo,

Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.

E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,

E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro

Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,

Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.

Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:

Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,

Não quero ser amado.

Não quero combater,

Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

DECLARAÇÃO DE AMOR

Juiz de Fora! Juiz de Fora!

Guardo entre as minhas recordações

Mais amoráveis, mais repousantes

Tuas manhãs!

Um fundo de chácara na Rua Direita

Coberto de trapuerabas ...

Uma velha jabuticabeira cansa de

doçura.

Tuas três horas da tarde ...

Tuas noites de cineminha namoriqueiro ...

Teu lindo parque senhorial mais

Segundo Reinado do que a própria Quinta da Boa Vista ...

Teus bondes sem pressa dando voltas vadias ...

Juiz de Fora! Juiz de Fora!

Tu tão de dentro deste Brasil!

Tão docemente provinciana ...

Primeiro sorriso de Minas Gerais

Artur Laizo - Cadeira 05
Enviado por ABLAM em 06/05/2023
Código do texto: T7781583
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