ENTRE ENSAIOS E PREFÁCIOS

ENTRE ENSAIOS E PREFÁCIOS

"Inquestionavelmente nosso tempo (...)

é menos saudável e menos esperançoso

que o da época em que Whitman escre-

via. (...) Aceitar a civilização como ela é

significa praticamente aceitar a decadência".

GEORGE ORWELL, in "Ensaios", (pag. 67)

(editora PÉ DA LETRA, 2020, SP)

"Afinal, o que [se] está aceitando/ Em primeiro lugar, não a América, mas a antiga pilha de ossos da Europa, onde cada grão do solo passou por inúmeros corpos humanos. Em segundo lugar, não uma época de expansão e liberdade, mas uma época de MEDO, tirania e arregimentação. Dizer "EU ACEITO" em uma época como a nossa é dizer que você aceita campos de concentração, cassetetes de borrachas, Hitler, Stalin, bombas"... (e seguem mais 16 citações) incluindo golpes, expurgos, slogans, espiões, provocadores, censura da imprensa. E continua... "Não só essas coisas, claro, mas essas coisas entre outras". (pag. 66)

Quem imagina tratar-se da "Era Bozzo" engana-se, este trecho é de um ensaio de 1940, sobre Paris, a Europa e os EUA, já em plena escalada para a Guerra mais sangrenta da História da Humanidade. Orwell fala sobre o personagem de um romance de Henry Miller que, após uma vida de esbórnias... "simplesmente se senta e observa o Sena fluindo, em uma espécie de aceitação mística das coisas como elas são".

Bem, basta de citações, elas agora são proibidas sem a autorização do autor, falecido pouco depois desses escritos... Orwell me dá uma "rasteira", iniciei a leitura do livreto -- gentilmente me presenteado pela escritora Anita Costa Prado -- pelo seu final, sobre a morte de um elefante na índia, aliás, assassinato. São 2 momentos distintos: em 1936 há um escritor desanimado, acabrunhado, sentindo o peso das discriminações, várias delas, por ser um branco, europeu e soldado (com salário) entre hindus e párias famintos, querendo "devorar" o tal elefante inerte. No texto seguinte temos uma "baleia" esguichando INDIGNAÇÃO por todos os poros e "metralhando" a civilização moderna, embora admita "que o Passado NÃO VOLTA jamais". Tenho a impressão que a imensa diferença de "estilo" entre ambos os textos se deveu mais a uma tradução imprecisa do que por questões pessoais do autor.

Orwell "não deixa pedra sobre pedra" nas diversas obras que cita -- como "espelhos" ou comparação -- ao longo de sua análise do livro "Trópico de Câncer", de Henry Miller. Chega até ao "calhamaço ilegível" de mais de 900 páginas de James Joyce, praticamente o único analisador a ter apreciado o gigantesco romance, autobiográfico segundo ele(s), que achou NOTÁVEL "a banalidade de seu material" (pag. 59), criticado e execrado por quase odos que ousaram "navegar no barco" de "ULISSES".

Admirável em George Orwell é a sinceridade, a falta de cerimônia com que expõe sua opinião e impressões, tanto sobre as obras como a respeito de seus autores. Os tempos são outros, hoje isso lhe traria um bocado de processos, veja-se o caso do jornalista Paulo Francis. (*1) Sempre admirei ENSAIOS, porém é curioso o caminho que segue todo Autor: vai na direção quase oposta ao do PREFÁCIO, este mero "cartão de visita", singelo e agradável convite de um admirador (o escritor) para um(a) colega, irmã(o) de ideais, por vezes modelo e exemplo. Já o futuro analisador, convidado a apresentar o trabalho exatamente por tais razões, aceita o encargo (e o faz) por cortesia.

O mais comum, não se sabe porquê, é ter nos prefácios uma descrição "psicológica" do Autor, mais do que uma análise objetiva e direta dos textos dele. Isso acontece "por via de regra" e acaba sendo "um retrato interior" do escritor, do Autor prefaciado. Já os ENSAIOS parecem seguir uma trilha oposta: "desvendar", descobrir no conteúdo escrito o que motivou o Autor, quais foram suas influências, o quanto a Vida e as leituras contribuíram e construíram sua argumentação, produção literária.

A meu ver, o ENSAIO analisa realmente a obra, enquanto o PREFÁCIO se preocupa mais em "manter a amizade" (?!) -- entre batalhadores da mesma luta, a Cultura -- medi(a)ndo as próprias críticas e, por vezes, "ignorando" falhas e deficiências. De minha parte, livro sem prefácio é como embaixador de casaca e ceroulas à mostra, num baile do imperador.

Somente em duas ocasiões "me postei" como Prefaciador e desconfio que não me saí muito bem da tarefa. Nos 2 casos fiz também a revisão (em 2008), ainda ignorante do fato que computadores podem ser "muito estúpidos" e não acatar sua correção de forma automática, mas apenas após ordem sua. No lançamento da segunda obra, um livro de poesias -- num bar, coisa que detesto -- um amigo do rapaz prefaciado me questionou se eu não estava IRONIZANDO a obra, "fazendo pouco caso" dos escritos do Autor, jovem bombeiro-militar. Expliquei como pude que Wilson Santos tinha futuro SE CONTINUASSE poeta, aquele livro era somente "um degrau, diamante bruto a ser lapidado" !

Pelo que sei, o livro foi apenas (p)Arte de um momento de conquista, constava do plano de cortejar certa donzela. Descartado o "diamante", digo, a Poesia, ele está hoje nas Redes Sociais como "WILSON, O SAFADO DO ARROCHA". Pelo visto, não me enganei nas tais "ironias" (na visão do Capitão dele), embora certamente a Música seja POESIA, em algum grau. Recentemente tive a sorte de ter Prefácios que fazem as duas coisas (e bem): escrutinam A OBRA e analisam também seu Autor, fato raro nas lides literárias. "Só me falta-me" o prefácio de um certo TOM... já tive o de um ENÉAS, o de um GUTENBERG (é Israel seu prenome) e o de uma ANITA, todos nomes com Passado na História mundial. A propósito, "TOM" é, na verdade, UÉLINTON, aportuguesado do americano Wellington, este presidente, general ou coisa parecida.

Coincidências da Vida... juntam-se a um CINCINATO, mas não o que salvou a primitiva Roma, nos anos 200 de nossa Era (com a ajuda de seus gansos), contra a invasão dos visigodos. De coisas assim é feita a história de cada um !

"NATO" AZEVEDO (em 12/abril 2023, 9hs)

OBS: (*1) - Orwell, no longínquo 1940, já reclamava da falta de LIBERDADE para se escrever, admirando por tal razão os tempos do poeta Walt Whitman: [ele] "...estava escrevendo em um país onde a liberdade era mais do que uma palavra. A democracia, a igualdade e a camaradagem de que ele fala não são ideais remotos, mas algo que existia na frente de seus olhos". (pag. 65) Orwell anota que os NEGROS "ficaram de fora" dessa sensação de igualdade, pelo poeta americano.