80 anos de O Pequeno Príncipe
"- O que mais importa é aquilo que não se vê..." (2017, p.100)
Uma das maiores vergonhas alheias para quem escreve é ver alguém conhecido publicar texto dando pitaco sobre um assunto que tu percebes claramente que a pessoa não domina. Escrever sobre algo ok, mas dar opinião e se meter a crítico já é outro departamento. Como na canção do Montenegro, "cuidar de amor exige mestria". É bem por aí, entenderam?
"- Só compreendemos as coisas que domesticamos - disse a raposa. - Os homens não tem mais tempo para compreender coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas não há loja onde se possa comprar amizade, e assim os homens não têm mais amigos. Se quiseres um amigo, domestica-me." (2017, p. 82)
E um livro sobre o qual muita gente já falou um bocado de bobagem e redundou bastante preconceito, principalmente nas redes sociais, é O Pequeno Príncipe, escrito por Antoine de Saint-Exupéry, cujas aquarelas também o ilustraram. Amanhã ocorrerão, pelo mundo, as comemorações pelos seu 80 anos de publicação, ocorrida em 6 de de abril de 1943, nos Estados Unidos, onde o francês se encontrava em virtude da ocupação de seu país pelos nazistas.
"- Bom dia - disse a raposa. - E aqui está o meu segredo, um segredo muito simples: somente com o coração é que se pode ver direito; o que é essencial é invisível para os olhos." (2017, p. 85)
O preconceito contra a obra vem por, sobretudo, ser o "livro preferido das misses" e catalogado como literatura infantil e infantojuvenil. Não que ambas não sejam verdade, mas quando se resume o juízo sobre a obra a partir disso, os bobos o tornam seu reflexo no espelho da ignorância e da pretensão. A profundidade filosófica sobre a vida que encontramos despojadamente em suas páginas é a força que deu a dimensão exponencial da obra ao longo de décadas, com mais de três centenas de milhão de cópias vendidas pelo mundo.
"- Os homens esquecem essa verdade - disse a raposa. - Mas tu não deves esquecê-la. És responsável, para sempre, pelo que domesticaste. És responsável pela tua rosa..." (2017, p. 85)
Exupéry foi, como piloto, um dos pioneiros da aviação civil comercial no início do século XX, vivência que muito aparece em suas obras, como O Pequeno Príncipe e Piloto de Guerra (1942), onde temos a atualíssima reflexão que diz "a guerra não é uma verdadeira aventura, é só uma imitação de aventura. A aventura se baseia na riqueza das ligações que estabelece, dos problemas que coloca, das criações que suscita. Não basta, para transformar em aventura, o simples jogo de cara ou coroa para apostar-se a vida ou a morte. A guerra não é uma aventura. A guerra é uma doença. Como o tifo" (2015, p.68). Na sua excelente produção literária temos ainda livros como O aviador (1926), Correio do Sul (1929) e Voo noturno (1931). Logo, ao escrever e ilustrar a obra que o tornou reconhecido pelas décadas posteriores, já era um escritor consagrado e uma personalidade famosa que, inclusive, trabalhara pela América do Sul como aviador postal.
"Mas às vezes eu também digo: 'De um momento para outro, a gente se distrai... e é o bastante. Qualquer noite ele esquece a redoma, e o cordeirinho vem, com pés de lã, no escuro...' E a voz dos sinos se transforma em pranto..." (2017, p.106)
O Pequeno Príncipe foi um dos seus derradeiros trabalhos, visto que faleceu em julho de 1944, aos 44 anos, quando seu avião de reconhecimento foi abatido por um caça alemão. Exupéry não precisava estar lá, os americanos nem o queriam como piloto devido à idade, mas ele desejava lutar pela libertação França e morreu com a coerência que teve em vida.
"- O que eu vejo aqui é apenas o invólucro. O mais importante está invisível." (2017, p. 92).
Referências bibliográficas:
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe. Tradução de Mário Quintana. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2017.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. Piloto de guerra. Tradução de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Pinguin Classics Companhia das Letras, 2015.