A Ficção Científica através dos tempos

 

A FICÇÀO CIENTÍFICA ATRAVÉS DOS TEMPOS

 

 

 

Miguel Carqueija

 

(texto de 2006)

 

 

 

FRONTEIRAS DO GÊNERO

 

 

 

O termo “ficção científica”, utilizado há mais de oitenta anos, encontra-se consagrado e dificilmente será substituído. Mesmo assim, o célebre Robert Heinlein, autor do alucinante romance “Os manejadores de títeres” (“The puppet masters”) propôs a expressão “ficção especulativa”. De fato a “science fiction” é um gênero de fronteiras abertas, que se mistura facilmente com a fantasia, o terror e o policial. Para mencionar excepcionalmente um exemplo recente no campo do cinema (já que estamos tratando de literatura), a dupla trilogia “Star Wars, criada, produzida e em sua maior parte dirigida pelo genial George Lucas, é ao mesmo tempo uma fantasia heróica. Os ingredientes básicos da fantasia estão lá: ambientes medievalistas, com ordens de guerreiros místicos cheios de pundonor, intrigas imperiais, magníficos duelos de espadachins... só que a ação se desenrola num passado remoto e numa galáxia distante. E as espadas são os poderosíssimos sabres de luz, empunhados pelos guerreiros do lado luminoso (jedis) e do lado escuro (siths).

Quanto ao gênero policial, a combinação ideal encontra-se nos livros de Isaac Asimov, russo naturalizado norte-americano, um dos homens mais brilhantes do século XX e idealizador das famosas “Três Leis da Robótica”. Com frequência os textos de Asimov são contos e romances policiais ou de espionagem em traje de FC (ficção científica). Asimov chegou a criar um detetive interplanetário chamado Lucky Star, que com seu assistente Bigman (apesar do nome, que quer dizer “homem grande”, é um baixinho abusado) vivencia movimentadas aventuras em planetas diversos, enfrentando ameaças à estabilidade da civilização.

Já o casamento da ficção científica com o terror é mais comum ainda. Vários pesquisadores do gênero, como o brasileiro Braulio Tavares, apontam o “Franckenstein” de Mary Shelley (1818) como o primeiro trabalho de legítima FC: temos aí o cientista que busca criar a vida artificial, com resultados desastrosos. Ora, há muitos anos o livro de Shelley vem alimentando o cinema de horror. Outra evidente combinação de horror e FC, também do século XIX, é Ö médico e monstro” de Robert Louis Stevenson (1850-1894).onde o cientista Dr. Jekyll desdobra a sua personalidade mediante uma droga e perde o controle sobre a sua experimentação.

 

 

 

ORIGENS REMOTAS

 

 

 

 

 

É discutível a origem da ficção científica. Sempre que se especulou sobre possibilidades materiais diferentes das conhecidas os sinais do gênero estavam latentes. No século II da Era Cristã o grego Luciano de Samos escreveu a sua “História Verdadeira” onde o protagonista e seu barco eram apanhados por uma tromba d’água e levados para a Lua. Também a lenda grega de Ícaro e Dédalo – verdadeira antecipação da navegação aérea – tem claros elementos de FC.

Na Idade Média ocorrem outros exemplos esparsos como a peça teatral “Orlando furioso” de Ludovico Ariosto, com outro transporte mirabolante à Lua. Nosso satélite inspirou muitas histórias primitivas de FC; outras surgiriam a partir do século XVII, uma delas, “Somnium”, assinada por um dos maiores sábios de todos os tempos, o alemão Kepler. Mais tarde o francês Voltaire imaginaria a hipótese inversa, isto é, a chegada de alienígenas à Terra, no seu conto “Micromegas”. O notável é que os dois gigantes que visitam nosso orbe têm origens diferentes: Micromegas vem de Saturno e seu companheiro do sistema de Sirius – um visitante extra-solar!

 

 

 

SÉCULO XIX

 

 

 

A ficção de aventuras, com viagens maravilhosas, facilmente derivou para a ficção científica. Bastava que acontecessem coisas inusitadas ou que descobertas fossem efetuadas: afinal a FC especula com o passo além do nosso conhecimento ou da nossa possibilidade.

O exemplo mais geralmente conhecido é o de Jules Verne (1828-1905) que em longos e cansativos romances – em todo caso geniais embora extremamente detalhistas – antecipou o submarino (“Vinte mil léguas submarinas”), a dirigibilidade dos balões (“Cinco semanas em um balão”), a viagem ao satélite (“Da Terra à Lua” e “À roda da Lua”), a chegada ao Pólo Norte (“O Capitão Hatteras”) e uma infinidade de coisas, sem falar que na obra póstuma “O eterno Adão” imaginou a queda e o renascimento da civilização.

Mas o século XIX apresenta muitos outros exemplos da incipiente literatura de antecipação. Mesmo antes de Mary Shelley o alemão E. T. A. Hoffman, em sua narrativa “O Homem de Areia”, apresentava a figura de um robô de aspecto feminino, tão natural que o protagonista por ela se apaixona. Isso, mais de cem anos antes do tcheco Karel Capek lançar a peça teatral “R.U.R.”, onde pela primeira vez os autômatos (no caso, mais propriamente androides) são chamados de robôs (robotas, termo tcheco significando mais ou menos “escravo doméstico”), dando a entender que os seres artificiais estão a serviço do homem... dica para uma série de conflitos ficcionais.

Outro grande exemplo da FC daquela época está em Edgar Allan Poe (1809-1849), gênio das letras norte-americanas e que em “A aventura sem par de um certo Hans Pfaall” narra uma viagem à Lua num balão especial. Consta que foi essa novela, minimalista em sua construção, que inspirou Verne a definir o seu próprio caminho.

Menos conhecido mas também genial foi o francês J. H. Rosny-Ainè, que em 1887, dez anos antes de H. G. Wells, já escrevia sobre uma invasão alienígena, em seu conto “As formas”.

 

 

 

 

SÉCULO XX

 

 

 

Este é o século da ficção científica. Em muitos países do mundo o gênero se desenvolve, ainda que se tornem mais geralmente conhecidos os autores ingleses e norte-americanos. Eis alguns nomes dignos de menção:

RAY BRADBURY, norte-americano, verdadeiro autor de poesia em prosa, contista por excelência, assinou poucos romances como a distopia “Fahrenheit 451”, que imagina um mundo futuro onde os livros são apreendidos e queimados (o título faz referência à temperatura em que o papel queima).

CLIFFORD D. SIMAK (EUA), dono de uma imaginação assombrosa e poética, bem expressa no romance “Boneca do Destino”.

ISAAC ASIMOV, russo-americano, criador das supracitadas leis da Robótica e da saga da Fundação.

ALEXANDR BELIAEV, o Julio Verne russo, em “Estrela KETS” previu em minúcias a exploração espacial.

FRED HOYLE, inglês, conhecido astrônomo, com “A nuvem negra” escreveu uma das mais emocionantes narrativas de contatos com extraterrestres.

ANDRÉ CARNEIRO, cujo livro de contos “Diário da nave perdida” (1963) é fulcral para a história da ficção científica brasileira.

ALDOUS HUXLEY, autor das imortais distopias (utopias negativas) “Admirável mundo novo” e “O macaco e a essência”.

GEORGE ORWELL, inglês como Huxley, cujo romance “1984”, também uma distopia, tornou-se um dos livros fundamentais para a literatura do século XX.

Outros autores que merecem ser citados: A. E. Van Vogt, Frederick Pohl, C. M. Kornbluth, Stalislaw Lem, Fritz Leiber, Poul Anderson, Ursula K. Leguin, Fredric Brown, Alfred Bester, C. S. Lewis (que na fantasia criou o universo de Narnia), Theodore Sturgeon, Orson Scott Card, Charles Sheffield, Harry Turtledove, James Blish, Stefan Wul, Andre Norton e o argentino Jorge Luís Borges.

 

 

 

 

 

TEMPOS RECENTES

 

 

 

A produção mundial de FC é incomensurável e os escritores, editores e aficcionados em geral costumam se unir em clubes, associações diversas, prêmios e convenções. Vejamos algumas edições recentes, no Brasil e Portugal (um asterisco indica autor brasileiro e dois, autor luso):

 

Em 2004:

 

 

 

* Feroz simetria (Roberto Causo) – Edições Hiperespaço

* Infinito em pó (Luiz Giffoni) - Pulsar

* Quintessência (Flávio Medeiros Jr .) - Publigraf

Reconhecimento de padrões (William Gibson) – Aleph

Oryx e Crake (Margareth Atwood) – Rocco

O pagamento – Editora Record ( coletânea de contos do consagrado Philip K. Dick)

Eu, robô (Isaac Asimov) – Ediouro (reedição)

A revolução dos bichos (George Orwell) – Editora Globo (reedição)

 

 

Em Portugal:

 

 

** As furtivas pegadas da serpente (Antonio de Macedo) – Editorial Caminho

Aterragem em Darkover (Marion Zimmer Bradley) - Difel

A grande roda (William Rollo) – Livros do Brasil, dentro da célebre Coleção Argonauta

A mão de Oberon (Roger Zelazny) – idem

 

 

Em 2005

 

 

* Incidente no Caribe (Denise Reis) – edição da autora

* Véu da verdade (José M. Beraldo) - Eridanus

* Vaca profana: encruzilhadas (Rogério Amaral de Vasconcellos) – edição do autor

* Vinte voltas ao redor do Sol, antologia de autores brasileiros (André Carneiro, Octavio Aragão, Braulio Tavares, Simone Saueressig, José dos Santos Fernandes, Miguel Carqueija, entre outros) edição do Clube de Leitores de Ficção Científica

Rumo às estrelas (L. Ron Hubbard) – Nova Realidade

Complô contra a América (Philip Roth) – Cia. das Letras

King Kong (novelização do filme, por Delos W. Lovelace) – Ediouro

As crônicas marcianas (Ray Bradbury, reedição) – Globo

Viagem ao centro da Terra (Júlio Verne, reedição) – Hemus

O senhor das moscas (William Golding) – Nova Fronteira

 

 

Em Portugal:

 

** O poder interior (Bruno Matos) – Presença

* A conspiração dos imortais (Márcia Guimarães) – Livros do Brasil, Argonauta

A invasão do mar (Júlio Verne) – Antígona

A oeste do Éden (Harry Harrison) – Gradiva

Mundo de espectros (Isidora Haiblun) – Livros do Brasil, Argonauta

Jupiter (Ben Bova) – Publicações Europa-América

 

 

Em 2006:

 

 

* A mão que cria (Octavio Aragão) – Mercury

* A face oculta da Galáxia (Miguel Carqueija) – www.casadacultura.org (livro virtual)

A possibilidade de uma ilha (Michel Hovellebeck) - Record

O concorrente (Stephen King) - Objetiva

O cardume (Frank Schatzing) - Record

O inquisidor (Valério Evan-Gelist) - Conrad

Dicas exemplares ( Michael Cummingham) – Cia. de Letras