Ilustração: Capa do livro OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA - Vol. XLV - Tomo IV (Questão Minas x Werneck)
A QUESTÃO MINAS X WERNECK
a. Introdução
b. O contrato de arrendamento
c. Proposta de novação do contrato
d. A ação judicial
e. A arbitragem
f. Rui Barbosa é contratado
g. O STF decide em favor de Werneck
h. Rui Barbosa e o STF
i. A cidade abandonada
j. A arbitragem na legislação atual
k. Coincidências históricas
Referências
A QUESTÃO MINAS X WERNECK
a. Introdução
Em posts aqui no site GUIMAGÜINHAS (aqui) e (aqui), examinamos o plano ambicioso que Werneck traçara para transformar Águas Virtuosas numa "estância europeia”. E, como narrado, a visão de futuro, a capacidade técnica, a força e as alianças políticas do grupo sul-mineiro a que se filiara, a facilidade de articular e se movimentar politicamente, o acesso a fontes jornalísticas e pessoas influentes, tudo isso fez que o projeto visionário de Werneck conquistasse adeptos e ganhasse alturas.
Falamos sobre as obras que Werneck planejou e realizou e as que não conseguiu concluir. Neste post A Questão Minas X Werneck, vamos ver como se deu o desfazimento do sonho da Vichy brasileira, que se esfumou diante da demanda judicial com o Governo de Minas Gerais.
Foi o começo do fim do sonho, pois Werneck não havia concluído as principais obras que planejara! Foram imensos os prejuízos para Águas Virtuosas de Lambary, que, a rigor, jamais se recuperou totalmente desse golpe do destino.
Nossa Vichy ficou no papel... Nosso Ícaro voara alto demais...
b. O contrato de arrendamento
Como vimos em linhas gerais, Américo Werneck firmou com o Estado de Minas Gerais, em 16 de maio de 1912, contrato de arrendamento para exploração da Estância de Águas Virtuosas, por 90 anos. Por esse contrato, obrigou-se a concluir obras, realizar outras e fazer novos investimentos. Assim, viu-se na necessidade de buscar associados para o empreendimento, para dar conta do formidável compromisso de investimentos na estância, a que se obrigara por contrato.
De fato, eram grandiosas as obras contratadas, e bem assim muito elevados os investimentos necessários. Eis, em resumo, as obrigações do contrato (BARBOSA, 1980, vol. V, págs. 104 e 105):
a — construções e obras públicas de toda a natureza como fossem: edificação de um estabelecimento balneário modelo, com todos os aperfeiçoamentos modernos; fazer, reformar e conservar jardins e parques; concluir um grande parque, dotando-o de benfeitorias de todo o gênero, inclusive tanque de natação; aterrar, nivelar e preparar ruas e avenidas; limpar anualmente a foice o grande parque florestal, rasgando nele seis mil metros de caminhos; conservar limpo o grande lago; ampliar os serviços de abastecimento de água e iluminação elétrica; concluir o mobiliamento do Casino, instalando aí toda a espécie de jogos, e ainda muitas outras obras especificadas na cláusula 2ª. do contrato, no que tudo devia empregar o capital de réis 1.200:000$000.
b — serviço de engarrafamento e exportação da água mineral, pagando mil réis por caixa (cláusulas 2a e 10).
c — construção de um grande Hotel no valor de 1.600:000$000 (cláusula 4ª.).
d — construção de um teatro no valor de 200:000$000 (cláusula 5ª.).
e — construção de um Hipódromo (cláusula 7ª.).
f — serviço de iluminação geral e distribuição de força elétrica na Vila (cláusula 8ª.).
g — serviço de abastecimento de água (cláusula 12).
Assim, entre meados de 1912 e início de 1913, Werneck esteve na Europa e Estados Unidos para conhecer sitios e negócios assemelhados à estância de Lambari, como também para atrair investidores. [1, 2] Na verdade, dias depois da assinatura do contrato, aqui mesmo no Brasil, ele já procurava sócios para o empreendimento, como noticiou o jornal Correio Paulistano, de 20 de maio de 1912:
[1] BARBOSA, 1980. Tomo IV, pág. 332
[2] “Assignado o contracto [em 16 de maio de 1912], recebidos todos os bens, a excepção da instalação electrica, para cuja entrega foi assignado um prazo, partiu o arrendatário para o estrangeiro com o fim, que se tornou notório, de traspassar a concessão ou de obter sócios para a sua exploração em comum.” (sic) - SOUZA, 1915, p. 9
c. Proposta de novação do contrato
Werneck assinara o contrato de arrendamento da estância de Águas Virtuosas em maio de 1912 e logo em seguida foi ao estrangeiro, sem muito sucesso, à cata de investidores a quem pudesse traspassar a concessão ou de sócios para a exploração em comum. (SOUZA, 1915, p. 9)
Desse modo, conforme noticia HEITOR DE SOUZA [3] (advogado do Estado, nas razões finais apresentada por Minas Gerais perante o Juízo Arbitral), em 8 de dezembro de 1912, Werneck retornou ao Brasil, e durante um mês tentou, no Rio de Janeiro, organizar uma empresa para tocar o empreendimento, mais uma vez sem conseguir seu intento.
Assim foi que, em fins de dezembro de 1912, apresentou Werneck ao governo estadual uma proposta de novação do contrato — documento esse cuja validade Werneck contestou, dizendo tratar-se de uma minuta, sem assinatura, encaminhada em caráter particular. De qualquer modo, a proposta fora recebida, analisada, tendo sido, inclusive, objeto, de parecer do consultor jurídico da administração. Mas a pretensão – intensamente benéfica ao arrendatário, segundo o governo de Minas – não foi aceita em boa parte. Então, a novação não se realizou e a “luta teve começo”. (SOUZA, 1915, págs. 9 a 13 e 21)
[3] SOUZA, 1915, págs. 9 e 10
Assim foi que em fins de dezembro de 1912, apresentou Werneck ao governo estadual uma proposta de novação do contrato [4] — documento esse cuja validade Werneck contestou, dizendo tratar-se de uma minuta, sem assinatura, encaminhada em caráter particular. De qualquer modo, a proposta fora recebida, analisada, tendo sido, inclusive, objeto, de parecer do consultor jurídico da administração. Mas a pretensão – intensamente benéfica ao arrendatário, segundo o governo de Minas – não foi aceita em boa parte. Então, a novação não se realizou e a “luta teve começo”. (SOUZA, 1915, págs. 9 a 13 e 21)
[4] Ocorre novação quando se dá a criação de uma nova obrigação, para substituir e extinguir a obrigação anterior e originária.
d. A ação judicial
Desde que assumira a prefeitura de Águas Virtuosas, tivera Werneck contra si a “maledicência e a inveja a murmurejar suspeitas e aleives”. (BARBOSA, 1980, vol. V, p. 106).
Após a assinatura do contrato, diz o advogado Rodrigo Octávio [5], Werneck
[5] BARBOSA, 1980, vol. V, pág. 107
Em face desse terrível clima e sob alegação de que estavam ocorrendo diversos desentendimentos com representantes do
Estado de Minas, na execução do contrato, Werneck o denunciaria em 7 de maio de 1913.
Segundo acusações do arrendatário, o novo prefeito de Águas Virtuosas – Raul de Noronha Sá – nomeado pelo Estado, retivera materiais, ocupara alguns prédios e demolira outros de propriedade deste, bem como deixara de fornecer energia elétrica para o regular funcionamento do cassino, atos esses manifestamente violadores de cláusulas do contrato.
Diante desse quadro, Rodrigo Octávio [6] vai recordar, tempos depois, que Werneck estava “sem mais possibilidade de organizar companhia, nem de levantar capitais para novos trabalhos, depois de ter ali empregado todos os recursos seus e os de sua famílía, e de ter esgotado os meios suasórios”.
Tal situação levou Werneck a denunciar o arrendamento e a procurar no judiciário a rescisão legal do contrato e o ressarcimento de seus prejuízos, isso em 29 de julho de 1913. [7]
[6] Resposta de Werneck ao STF, por meio de seu advogado, Dr. Rodrigo Octávio, na apelação interposta pelo Estado de Minas do laudo arbitral. In BARBOSA, 1980, vol. V, p. 111
[7] SOUZA, 1915, p. 653
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e. A arbitragem
Na tentativa de resolver o problema, o Estado de Minas propôs, em 27 de junho de 1913, que a questão fosse resolvida por arbitragem. [8] Werneck recusou o acordo, por considerar inaceitável o objetivo que o Estado de Minas propusera, qual seja – dirimir os desacordos que estavam perturbando a execução do contrato. (SOUZA, 1915, p. 24)
Esses termos eram insuficientes, julgou Werneck, e em seguida intentou a referida ação judicial de 29 de julho de 1913, na esfera federal – “O só que restava fazer era apurar qual das partes contratantes havia dado causa à destruição do contrato, de quem era a culpa, a quem incumbiria indemnizar o dano.” (sic) [9]
Ainda assim, na tentativa de resolver de forma conciliante a questão, Werneck enviou ofício [10] , em 3 de julho de 1913, ao governo do Estado, dizendo:
[8] Arbitragem: A arbitragem é um método de resolução de conflitos, no qual as partes definem que uma pessoa, uma equipe ou uma entidade privada irá solucionar a controvérsia apresentada pelas partes, sem a participação do Poder Judiciário. [www.tjmt.jus.br]. Veja também: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI104371,41046-Questao+Lambary+O+instituto+da+arbitragem+e+questionado+por+Rui
[9] BARBOSA, 1980, vol. V, p. 112
[10] BARBOSA, 1980, vol. V, p. 112
Tal solução proposta por Werneck – um “tribunal administrativo” composto por dois representantes do Estado e um de Werneck – não foi aceita, pois a administração mineira enxergara óbices jurídico-administrativos na adoção dessa medida.
Com efeito, vai anotar SOUZA (1915, p. 26):
Não tinha alcance prático esse recurso de estabelecer juízes em causa própria.
A inidoneidade dos julgadores era agravada pela preponderância de uma das partes sobre a outra na organização do juízo.
A ação, então, correu e o Governo de Minas apelou, alegando exceção de incompetência do juízo, refutando o foro federal, propugnando que a demanda corresse na Justiça do Estado, mas o STF manteve a discussão na instância federal.
Em seguida, em novo acordo, o Estado de Minas Gerais propôs – e Werneck aceitou – que a questão fosse resolvida por arbitragem. Desse modo, ditou-se o laudo arbitral [11] em 13 de março de 1915, que foi favorável a Américo Werneck, sendo o Estado de Minas condenado a pagar elevada indenização por danos morais.
Não obstante os termos do compromisso arbitral expressamente ditarem que “a decisão seria proferida em última e definitiva instância, sendo portanto irrecorrível” – o Governo de Minas, mesmo assim, foi buscar remédio jurídico no STF. [12]
[11] LAUDO ARBITRAL é a sentença proferida pelos árbitros, em juízo arbitral. (DE PLÁCIDO E SILVA)
[12] BARBOSA, 1980, vol. V, p. 114
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f. Rui Barbosa é contratado
Mas aí deu-se o busílis da questão: Minas Gerais, que propusera o juízo arbitral e se comprometera a respeitar sua decisão, insurge-se em sede judicial contra a deliberação, contratando Rui Barbosa para interpor recurso no Supremo Tribunal Federal, na tentativa não só de obter a nulidade do laudo como também de atacar o processo de arbitragem em si.
Isso resultou na famosa Questão Minas x Werneck, em razão do elevado nível dos juristas que participaram da causa. Além de Rui Barbosa: J. X. de Carvalho Mendonça, Esmeraldino Bandeira, Rodrigo Octávio, Heitor de Souza e Edmundo Lins, esses três últimos vieram, posteriormente, a integrar o Supremo Tribunal Federal. [BARBOSA, 1980]
g. O STF decide em favor de Werneck
No entanto, o STF manteve a decisão arbitral favorável a Werneck, e a Questão Minas X Werneck tornou-se uma das mais célebres questões jurídicas do País e uma das poucas derrotas do grande advogado Rui Barbosa.
h. Rui Barbosa e o STF
Alberto Venancio Filho, advogado, jurista, professor, historiador, em palestra proferida no STF no dia 28 de outubro de 2008, na qual comentou as atividades do Supremo nos seus 30 primeiros anos de existência (entre os anos 1890/1920, na República Velha), assim se referiu a Rui Barbosa:
A história do Supremo Tribunal Federal está indissoluvelmente ligada à atuação de Rui Barbosa desde o habeas corpus de 1892 até as questões da década de 1920.
Em sua fala, Venancio Filho destacou as causas mais expressivas examinadas pelo Tribunal naquele período, e entre elas pôs a Questão Minas X Werneck:
Questão de relevância teve o Supremo ao decidir matéria de arbitramento. Américo Werneck contratou, com o Estado de Minas Gerais, a exploração por noventa anos da Estância Hidromineral de Lambari. Logo no início do contrato, surgiram divergências, e Werneck ingressou com ação por inadimplemento culposo. No curso da ação, as partes decidiram submeter a questão à arbitragem (...) O laudo concluiu que Werneck tinha direito à indenização. Inconformado com a decisão, o Estado de Minas contratou Rui Barbosa para apresentar a apelação ao Supremo.
Curiosamente, em questão anterior em que representara o Estado de Minas em questão contra o Espírito Santo, defendia ele que não era possível apelação no caso de arbitragem, mas sim pedido de anulação. O fato foi explorado pelo advogado de Werneck, Rodrigo Otávio, e Rui teve de reconhecer a incoerência. No pedido estava o fato de que os árbitros excederam os seus poderes. Mas o Supremo, restringindo o exame da matéria, denegou o pedido, Relator Pedro Lessa, julgando que não houvera excesso dos árbitros. (VENÂNCIO FILHO, 2008)
i. A cidade abandonada
Nos longos nove anos em que corria a demanda, Lambari praticamente ficou abandonada, visto que Werneck recusava-se a devolver ao Governo de Minas os bens que arrendara, até que recebesse a indenização que o Juízo Arbitral lhe concedeu.
E o grande fluxo de turistas com que sonhou a vila de Águas Virtuosas não ocorreu: o hotel, o teatro e outros melhoramentos e diversões, que poderiam atraí-los, não foram construídos, e os jogos de azar, no Cassino maravilhoso, nunca aconteceram...
j. A arbitragem na legislação atual
Interessante notar que a Questão Minas X Werneck constituiu também um caso pioneiro no tocante ao processo de arbitragem no Brasil. E também que esse processo, ocorrido há um século, tratou de matérias atuais do Direito Brasileiro. De fato, a arbitragem há pouco tempo foi objeto de lei específica entre nós (Lei Federal nº. 9.307, de 1996) [13] , e o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos anos atrás sofreu completa e moderna regulação (Lei Federal nº. 8.987, de 1995). [14]
[14] L8987consol (planalto.gov.br)
k. Coincidências históricas
E, ao final, ressaltem-se estas coincidências históricas. Primeiro, que Edmundo Lins, advogado, escritor e Ministro do STF (1917-1931), além da participação nesse processo de Werneck, como um dos signatários do laudo arbitral, está ligado a Lambari por outras razões.
De fato, ele vem a ser pai do Ministro Ivan Lins, que foi “cidadão honorário de Lambari e grande amigo de seu povo e de suas águas.” O nome do Dr. Edmundo Lins foi dado a uma de nossas praças — simbolicamente, a que fica defronte ao prédio do Cassino de Lambari.
Segundo, que J. X. de Carvalho Mendonça, advogado de grande saber jurídico, jurisconsulto, professor e autor de dezenas de obras jurídicas e de uma tratado clássico sobre Direito Comercial – e também um dos signatários do laudo arbitral – além de ter sido frequentador de Águas Virtuosas, deixou também sementes em nossa terra.
Com efeito, sua filha Maria José casou-se com Dr. Gabriel Carvalho, que morou em Lambari e foi proprietário rural no município. O filho do casal Maria José e Gabriel — Henrique Carvalho —, há muitos anos instalado em Lambari como fazendeiro e cafeicultor, vem a ser neto de J. X. de Carvalho Mendonça.
Para saber mais, visite o site GUIMAGÜINHAS:
Rui Barbosa e a Questão Minas X Werneck
Novos aspectos da Questão Minas X Werneck
BARBOSA, Rui. Questão Minas X Werneck. Obras Completas de Rui Barbosa. Volume XLV 1918 – Tomo IV e V. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980
SOUZA, Heitor de. Juízo Arbitral – Arrendamento da estancia hydro-mineral de Lambary. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1915