A FORÇA DAS PALAVRAS

A FORÇA DAS PALAVRAS

CINCINATO PALMAS AZEVEDO, o “Nato”, reúne neste volume um punhado de contos variados. “As Palavras Marcam . . . As Palavras Matam” é uma demonstração da criatividade e do agudo senso de observação de seu autor. Os contos são inspirados pelos acontecimentos do cotidiano, colhidos ao natural, refletindo desde episódios humorísticos até dramáticos, sempre com a mesma leveza e naturalidade, prendendo o leitor curioso de conhecer o desenlace de cada história. O contista se revela senhor da arte de contar casos e sabe captar com precisão tudo que ocorre ao seu redor ou chega ao seu conhecimento.

“Nato” escreve com inteira liberdade, assim como quem tem necessidade de colocar em palavras os casos que lhe ocorrem. Usa uma linguagem popular, inclusive com gírias, quando julga necessário e isso lhes confere grande naturalidade. Fica a impressão nítida de que ele está acarrapachado numa poltrona contando a ouvintes atentos os fatos que presenciou. E aí a vida se revela deveras “sortida”, como gostava de dizer um amigo saudoso. Por minha vez, diria que estes contos são fiapos de vida.

Os episódios que se sucedem são de impressionante variedade e muitos deles se projetam, fixando-se de maneira indelével na memória do leitor. Anoto o caso do lobo mau da lenda que envelheceu, foi atingido no traseiro peludo por um tiro de sal, desferido pela própria vovó, e o berro do animal ecoou em todo o Reino. O lobo, mais tarde, foi visto em outro local como bom cachorro de estimação e até falava com o dono. Triste ironia do destino o feroz lobo mau convertido em simples cachorro de estimação e, talvez, tangido por uma corda.

Também inesquecível é o caso do avião que transportava políticos brasileiros e caiu, matando todos eles. Cheios de empáfia, apresentaram-se a São Pedro, porteiro do céu, mas sua entrada é barrada. Discutem o assunto. Determina, então, o Altíssimo que vão para o inferno, o verdadeiro lugar deles. Nisso surge uma nuvem e dela sai Lúcifer, argumentando que a decisão é injusta. Não quer aquelas almas porque não merecem sequer o inferno, Diante do impasse, decide o Altíssimo: sugiro que perambulem pelo Cosmo por sete encarnações até purificarem as almas!

Mais um caso interessante é a história do Geraldo que dizia odiar a ex-mulher, a rainha da desgraça, filha de Satanás, o inferno em carne e osso. Encontram-se no botequim do Portuga e lá se xingam na frente de todos. Depois que ela se vai, um amigo diz a Geraldo: você ainda a ama e ela a você! Vocês terão que resolver isso algum dia! Há casais que levam a vida entre tapas e beijos. Por que casam? – indaga o autor. – Ninguém sabe! Em outro conto o autor toma a defesa da mulher, reconhecendo que ela não era dada a furtos e roubos, exceto do marido ou namorado das outras. Ainda que hoje as coisas não sejam bem assim. Mais uma vez a mulher entra na história em que o personagem maltratou sua gata. Ela miava a noite inteira no telhado dele. Mas o que pretendia, - indagou a dona, - que ela declamasse poesias?

Os personagens que povoam o livro são incontáveis e dos mais diversos feitos. Zeca Meu Peixe, por exemplo, desistiu da carreira de jogador de futebol, entregou-se a ocupação mais prazerosa e passou a extrair dinheiro das madames da zona sul do Rio de Janeiro. Com pinta de galã, era a figura exata do homem de aluguel. Descrito com precisão, o leitor se impressiona com a exatidão do retrato, físico e psicológico.

Os meandros da burocracia, as cenas de rua, a capoeira, a malandragem, a vingança, a boemia e até a assembleia de bentevis em uma árvore folhuda marcam presença. Como na vida. .

Creio que o conto ainda é o gênero literário em prosa mais praticado. No entanto, cada novo livro revela como ele se renova ao sabor da criatividade dos contistas. “Nato” Azevedo, como o leitor verá, produz um conto diferente.

A leitura deste livro constitui uma experiência agradável e revela como as palavras marcam e, às vezes, matam. Elas têm muita força.

ENÉAS ATHANÁZIO