O ATO LIBERTÁRIO

O ápice da palavra, em seu vestido de festa, é a danada da Poesia. Nela, o poeta-autor, a quem se pode chamar também de "o arauto do Mistério" lida com a farsa, o sonho, a fantasia. Ele é um reescritor do que sentiu, observou, viu e ouviu em seu itinerário de vida.

A revelação do que o poema diz ou a que se refere não compete a este, e sim ao poeta-leitor, que vai recepcioná-lo bem ou mal. Pode até se encantar com a peça, vir a tomá-la como sua e passar a dispor dela: usar, gozar, fruir o seu poder de encantamento.

É digno de nota que o mais bem acabado patamar da mentira é aquele em que a palavra (e sua roupagem imagética) por si falseia, tergiversa, adultera e, ao final, formata o fato estético tão primorosamente, que chega a tornar verdade o que é pura invencionice, ou seja, a dar foros de veracidade àquilo que nasceu e se enovelou da farsa, da (ir)realidade, nos domínios do mundo dos fatos. E passam ambos a conviver como realidades.

Esta é a piedosa verdade que emergiu graças ao desejo ou a necessidade mudancista de locais, situações, conflitos ou ausência física, porém presença neuronal, e vívida nos mais íntimos degraus da consciência individual.

No lírico-amoroso, o autor recria a pessoa, o ser (o objeto de seu afeto) que é eleito ícone naquele dado momento, e na qual o poeta percebe ou constata algo que lhe carece para sentir-se pleno, vivo.

Eis, enfim, a mentira, em sua fortaleza poética, por vezes um conjunto textual de versos ou uma simples palavra e suas sequelas, pela qual se pode até matar ou morrer, num ato libertário perfeitamente justificável pela consciência e imantação psíquica nas ações do Criador e criado, a ponto de ser capaz de tornar-se mártir de sua nação e passar a viver no coração de seu povo como figura exemplar.

Um veraz e forte exemplo é a morte, por fuzilamento, do poeta Federico Garcia Lorca, espanhol da Andaluzia, pelas balas do franquismo, em 1936, na Guerra Civil Espanhola.

Podem os signos e a imagética decorrente de um poema serem mais deletérios do que um projétil?

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2022.

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