Breve comentário acerca de Machado de Assis.

Não é minha pretensão, com este comentário, apresentar observações perspicazes acerca do Bruxo do Cosme Velho, o pai da Capitu e do Simão Bacamarte, o mestre da literatura brasileira, cuja obra é, nas palavras de Rodrigo Gurgel, professor de literatura e crítico literário, uma das três fundamentais - são as outras duas a de Manuel Antonio de Almeida e a de Graciliano Ramos.

Não sou um estudioso da literatura, menos ainda um crítico literário, e tampouco tenho talento para o exercício da crítica sistematizada; e é pequena, quase nula, a minha formação literária. E tal eu não digo por modéstia sincera, ou por falsa modéstia; tal eu digo porque sei que livros da literatura brasileira eu li, e o que deles presumo haver apreendido, e compreendido.

São imensas as lacunas na minha formação literária, intelectual - nada que seja de surpreender quem sabe da mendacidade do sistema educacional brasileiro e do ambiente cultural nacional dos últimos quarenta anos, corrompidos, aquele e este, por políticas refratárias à elevação intelectual dos brasileiros. Eu, que vivi, desde a minha mais tenra infância, num meio social e cultural de desestimular toda e qualquer veleidade literária (e aqui quero que se entenda a literatura na sua acepção a mais abrangente), formei-me (ou deformei-me) - meu talento literário, que acredito possuir num grau razoável, massacrado pelo ambiente, que me envolve, do qual participo -, a duras penas, com sacrifício, sabedor de minhas falhas, opondo-me ao meio cultural em que vivo, na fase adulta de minha vida, amadurecendo, então, a minha consciência, a consciência de mim mesmo, e das coisas ao meu redor, ciente de que o meu trabalho, o de descobrir-me, o de conhecer-me, o de saber detectar as minhas deficiências intelectuais, se estenderá por toda a minha vida, viva eu quantos anos me estiverem reservados.

Não sou um crítico literário - e para o exercício da crítica literária não tenho talento, sei -; e aqui, neste breve comentário, vai apenas observações que mas inspiraram a leitura de um conto de Machado de Assis, conto que li não sei há quantos anos, e do qual eu nada me lembrava, e que li, pela segunda vez mais, ontem, dia 28 de Setembro de 2.022.

A digressão dos parágrafos anteriores entra na conta de um preâmbulo ao comentário, e eu o escrevi com o propósito de pedir ao leitor que não julgue este breve comentário com severidade que se dedica a observar trabalhos de críticos literários gabaritados, mas que seja o leitor comigo compreensível, e amigável, sem deixar de ser rigoroso, menos ainda justo.

Sou um leitor apenas, e apenas um leitor, que se mete a escrever o que lhe dá na telha, e não raro lhe dá na telha, de quase cinquenta anos de existência, a vontade, indomável, de escrever pensamentos que a leitura de livros lhe inspira - e aqui vai um texto que a leitura do conto Miss Dollar inspirou-me.

O segredo da arte literária do Machado de Assis, no conto que aqui, em poucas palavras, comento, está no título: Miss Dollar. Qual leitor, ao se deparar com o título imagina o que Machado de Assis conta? Qual leitor, antes de vir a conhecer a Miss Dollar, imagina-a com a silhueta que Machado de Assis lhe empresta? Penso que todo leitor cai, direi, na armadilha machadiana. Eu caí. É Machado de Assis deveras um bruxo, o do Cosme Velho. A partir de um evento corriqueiro, banal, o maior escritor brasileiro entretêm os seus leitores com semi-tons psicológicos, com um jogo de prestidigitação literária, a eles revelando, e ao mesmo tempo deles escondendo, os personagens. É interessante acompanhar o desenrolar da trama que o bruxo, um feiticeiro literário como poucos que há, concebeu com a sua imaginação fértil, maior do que muita gente lhe reconhece.

Assim que pensei em escrever estre breve comentário, veio-me à mente outros três contos do Machado de Assis: "Quem conta um conto...", "O Alienista", e "Conto de Escola". Estes três contos contam histórias simples, de coisas simples do dia-a-dia. Em nenhum deles há, e nem no "Miss Dolar", um episódio espetacular, de boquiabrir de espanto o leitor, inclusive o mais facilmente sugestionável. Que não leia Machado de Assis quem está à procura de fortes emoções. Nele jamais o leitor encontrará prodígios, aventuras rocambolescas, e coisas assemelhadas. No "Quem Conta um Conto...", principia-se a história com um suposto boato de alguém maledicente; e no "Conto de Escola" resume-se a trama aos erros de garotos. E no "Miss Dollar", é o preâmbulo do conto um encontro fortuíto entre um homem e uma jovem viúva, e os desencontros deles. E em "O Alienista", é o herói um psicólogo presunçoso, um cientista, de, acredita ele, inteligência superior, que lhe permite, do alto de sua elevada, e incomparável, estatura, observar, e estudar, e avaliar, e julgar, e condenar os reles seres humanos, com olhar clínico, seres humanos que para ele nada mais são do que objetos de estudos, ratinhos-de-laboratório. Não é o Simão Bacamarte o retrato perfeito de inúmeros sociólogos, antropólogos, psicólogos e filósofos que vemos por aí?! Não é ele tal qual muitos que têm a presunção de saber a respeito dos povos, de saber, e conhecer, e compreender, mais do que os povos por eles estudados sabem de si mesmos?! E tal qual o Simão Bacamarte, muitos psicólogos se estranham ao se voltarem para si mesmos, não se reconhecem, e atormentam-se.

Falando de coisas ordinárias, Machado de Assis criou uma literatura extraordinária. E com um estilo que é seu, inconfundível.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 10/10/2022
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