Escrever poesia é como tomar um porre
(Este é o capítulo 15 do manifesto poético de Raul Brasil e Wreneck Deus, que está em andamento)
A escrita da poesia é da ordem do desejo, é da ordem dos prazeres. É Baco o deus dos poetas. Quem escreve poesia necessariamente se embriaga (de afetos, de potência, de caos). Cada estilo, cada técnica, cada dispositivo tem seu nível de embriaguez, são como vinhos de diferentes safras, bebidas com diferentes coeficientes de álcool. Escrever poesia é como tomar um porre. O simbolismo oferece um certo tipo de porre: amargo, pessimista, satanista; O surrealismo oferece certo tipo de porre: onírico, abstrato, anti-capitalista; A tropicalia oferece certo tipo de porre: nacionalista, populista, de vanguarda… Será possível se embriagar de todas as formas possíveis e transitar entre os estilos, os movimentos, as intenções, as técnicas, os desejos e as identidades? Será possível escrever uma poesia nômade? É isso que pretendemos explorar.
Torquato Neto falava de uma geleia geral quando se referia à tropicalia, essa conciliação entre a cultura nacional e internacional, entre bossa nova, música nordestina e beatlemania. Raulwreneck quer ir além e propor uma geleia generalíssima, uma mallarmelada, uma conciliação entre tudo o que existe e existiu para potencializar tudo aquilo o que pode existir. Não é como se quiséssemos liquidar com a estética, Joyce e Pound já fizeram isso por nós, a questão é o que vamos fazer com seus cacos.
Para atingirmos esses níveis inéditos de embriaguez, de escrita, buscamos uma relação transversal, um porre de Henry Miller como assinalaria Deleuze. Ele resgata Hume ao afirmar que é possível chegar a um mesmo resultado por diversos caminhos, sabemos que o caminho da embriaguez é o álcool, mas o que me impede de embriagar-me bebendo água? A embriaguez é mais do que uma relação fisicoquímica no corpo, é uma relação do corpo com o ambiente, com seus afetos. Prova disso é que muitos comparam as noites em claro da insônia com a embriaguez, é isso uma relação transversal ou um nomadismo abstrato: experienciar uma mesma coisa através de caminhos diversos, é esse o conceito do porre de Henry Miller e é isso o que propõem raulwreneck: diversos poetas, movimentos e ideias levaram à inovação na poesia, cada um com seu caminho, cada um com seu porre. Por que não experimentar os diferentes porres? Unir o rum à coca e tomar uma cubalibre? Unir o concretismo ao parnasianismo e criar um pauloleminski? Unir Raul Brasil a Wreneck Deus e criar raulwreneck? Tomar o porre dos porres, a embriaguez da embriaguez, e ver no que isso vai dar. Nosso método é de um anarquismo epistemológico, não importa o método, importa o resultado, mais que isso, importa o afeto, a intensidade, a experimentação. Importa criar novas formas de ler, escrever e viver a poesia.
Nós cremos que isso é inédito na história da poesia. O inédito se contrapõe ao interdito. Um nome é uma forma de violência, é uma forma de interditar a potência do objeto, é aí que raulwreneck parece cair em contradição. Por que afirmar esse nome, de maneira tão aparentemente personalista? A verdade é que o nome não nos importa. Podem chamar nosso movimento de trans-tropicalismo, pós-tropicalismo, neodadaísmo, infra-realismo, tupãnismo, molecularismo, destrutivismo… Não importa. escrevemos para esquecermos nossos nomes, escrevemos para confundir nossos nomes, esse é nosso 1+1=1. Todo “ísmo” é uma limitação, é um tabu, é um interdito, queremos transgredir os limites poéticos impostos pela identidade, e talvez a nossa identidade anindêntica ou nosso rosto desrrostificado seja um caminho para isso.
Bataille fala que existe o mundo profano e o mundo sagrado. O mundo profano é o mundo do trabalho, do cotidiano, do cansaço, da alienação; enquanto o mundo sagrado é o mundo da festa, do bacanal, da comemoração, do ócio e do descanso. Um não existe sem o outro, um necessita do outro para existir, a transgressão do sagrado necessita do interdito do profano para se potencializar. O interdito e a transgressão, são duas tendências de uma mesma substância: o desejo humano, sua experiência interior. A poesia raulwreneck age nessa experiência interior, busca criar espaços onde o sagrado se manifesta, onde a potência se expande, é nesse sentido, de ser uma proposta de uma poesia subersiva, transgressora, anticapitalista e portanto, sagrada, que a poesia raulwreneck é uma poeteologia. Uma teologia da transgressão em direção ao sagrado, à embriaguez, ao bacanal, à orgia, à enésima potência.