O ESCREVER COM POESIA *
Ganham, e muito, os autores que atentam para os conceituais teórico-didáticos sobre a poética, que é, segundo o meu modo de ver, o mais desafiador gênero literário. Num momento repentino, inicial, ou seja, quando o poeta-autor entra em estado de Poesia, parece que tudo flui e se apresenta como o sentimento aflorando, a fluir das vertentes do Mistério.
Todavia, o que ocorre no mecanismo psíquico-emocional é bem mais complexo do que simplesmente essa constatação assentada numa ótica simplória.
De onde nascem os versos, até por vezes aos borbotões? Ninguém até hoje conseguiu uma explicação plausível para a fenomenologia da criação. No decorrer dos séculos, é certo que milhares de sensíveis estudiosos buscam resposta e assentam suas explicações.
No entanto, é bem verdade que há uma majoritária corrente de criadores poéticos que afirmam que os versos sempre podem ser aprimorados, se o conhecimento e a técnica fizerem coro à espontaneidade ou inspiração e atuarem como aliados.
Traduzindo claramente, ainda que haja talento de sobra na alma do fazedor de versos, do nada nasce o nada, e deste sobrevém, invariavelmente, um perceptível vazio estético. Como em tudo o que existe no mundo, há mínimas exceções que confirmam a regra genérica.
Estética, em grego, traduz -se por "sentimento". É esse exercício do sentir, agregado ao polimento da técnica haurida das inúmeras vertentes provenientes de inúmeras teorias que se poderá produzir o verso com Poesia. Claro, há autores cuja genialidade no ato de criar fogem a qualquer análise. A genialidade já os fez banhados de Poesia e a palavra nasce ornada de beleza estética e de humanidade inconteste.
Trago o tema à discussão porque me dou conta de que a maioria dos escritos que nos topamos no dia a dia, no momento de virtualidade que a contemporaneidade vive e publica nos espaços da Grande Rede, são versos que não chegam à Poética, o que equivale a dizer: são versos sem Poesia.
E é necessário diferençar, especialmente nos domínios dos versos lírico-amorosos, que palavras pejadas de doçura e encantamento dificilmente chegam à metáfora, que é a palavra em seu vestido de festa ou de gala, essencial para que se componha o bom exemplar, a boa peça textual em Poética.
Ausente a metáfora em sentido amplo (presença da conotação), que é a subversão do sentido genuíno da palavra, outorgando-lhe novo(s) sentido(s) ou compreensão diversa, por vezes única, da peça verbal em pauta, não há como se chegar à Poesia, simplesmente porque a essencialidade não se fez presente na peça em voga.
O poeta, tem de ser, portanto, além de arauto, anunciador ou porta-voz do Mistério – que só este é capaz de verter o bom poema, ninguém mais – tem de ser um obstinado e sensível ourives, um artesão com instrumento e técnicas capazes de polir a pedra bruta que a centelha original do ato de criação trouxe à tona, ao plano da realidade através do sentimento traduzido em palavra.
Os sentimentos (por sua intraduzibilidade imediata em signos) não compõem os versos ou o conjunto destes no poema, e, sim, afloram na psique uma comoção pessoalizada capaz de apresentar o poema ao mundo fático através de sua tradução, o conjunto de letramentos organizado por significantes e significados: palavras.
E este conjunto fere a sensibilidade do seu receptor, provocando-lhe uma comoção inusitada.
O poeta é aquele que anuncia o Mistério, o abençoado vidente laico, a quem compete mostrar ao mundo peça única, singular. Feito o poema, quem lhe dá vida, o primeiro sopro, é o poeta-leitor.
O poeta-autor é quem o revela ao mundo, porém não é o seu dono.
O bom poema viaja, adeja, navega por suas próprias asas. E tem capacidade para comover todo aquele que penetra em suas entranhas. Quanto mais o tempo exerce a sua passagem, mais amplitude ele poderá ganhar, ainda que as palavras estejam sempre a envelhecer pelo uso, desuso e/ou natural desgaste.
Porque elas são tão humanas quanto o espiritual que as identifica, aninha, comporta, entretece.
MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2021.
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