FALAR DE MARIA ANGELINA

- Maria Angelina Brandão, viúva de Raul Brandão

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Escrevi algures, para quem mo solicitou, no verão de 2017:

«Eu tive o privilégio de, durante alguns anos ter sido "cestinha de mão" para a D. Maria Angelina. Ajudei-a em algumas lides domésticas livreiras, sempre que podia. Era quase seu vizinho: a Casa da Beira era muito próximo da Casa do Alto. Maria Angelina tinha uma sensibilidade acima do comum de qualquer mortal. E partilhava a mesma sensibilidade com todos os que com ela conviviam. Guardarei sempre uma terna recordação daqueles momentos. Cheguei a ajudá-la a organizar o manuscrito deste livro – “Um Coração e uma Vontade” (*) – que depois editou com este nome, por sugestão do dr. Santos Simões que, por sinal, foi meu professor na Escola Francisco de Holanda, em Guimarães. Velhos tempos, nobres pessoas. E tudo isto por uma só razão: Raul Brandão.»

(*) – Dona Angelina – depois de me ter posto ao corrente dos conteúdos expressos neste livro ali por 1957, se não estou em erro – chegou a perguntar-me: - Francisquinho, achas que fica bem este título?

Perante a sua pertinente e distinta, quanto sincera, humildade, que lhe havia eu de dizer? - Que era fantástico! Frassino Machado

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Falar de Maria Angelina – a velhinha viúva mais conhecida das Letras Portuguesas – é uma tarefa de enorme responsabilidade e um acto indelével de motivação cultural e humanística. Como disse acima, fui, durante alguns anos, uma real “cestinha de mão” quotidiana.

Primeiro porque era quase seu vizinho e, em segundo plano, porque coincidiu ser aluno de um professor vimaranense que era unha com carne com um dos legados mais destacados do seu marido, no que toca à importância cultural e artística das letras Brandonianas, doutor Santos Simões.

Dentro desta circunstância convivencial acontecia frequentemente eu ser, apesar de ainda relativamente jovem, o interlocutor privilegiado entre as duas partes: Casa do Alto e a Sociedade Martins Sarmento que, desde sempre, teve (e ainda tem tido) um papel decisivo na divulgação da obra de Raul Brandão.

Falar de Maria Angelina é sentir o timbrar das cordas memoriais de anos e anos de partilha diária, quase familiar. Recordo-me dela quando, por razões de ordem educacional, fui seu aluno de catecismo básico, da doutrina católica. Fase que culminou com a sua entronização como madrinha da minha primeira comunhão. Foi, desde essa data, que mais se estreitou a minha familiaridade com ela.

A meados dos anos cinquenta, propriamente em 1954, eu tinha acabado de perder, inesperadamente, a minha própria mãe, o que para mim se tornou uma privilegiada e oportuna âncora de intimidade. Maria Angelina seria, desde essa hora, para mim uma segunda mãe. E se, no âmbito familiar, as coisas nem sempre me corriam de feição (éramos sete irmãos, com um pai que rumou para outras paragens da vida) Maria Angelina passou a ser como que uma segunda ponte por onde eu consegui singrar nos rumos que se me impunham seguir.

- Francisquinho, se puderes, eu gostaria que me fizesses companhia nas primeiras sextas-feiras de cada mês, acompanhando-me de casa até à igreja… Porque a missa é sempre muito cedo, quase de noite e eu já não tenho idade para me orientar como gostaria!...

E eu, como que em recompensa do seu carinho para comigo, nunca faltei a esse compromisso.

Em contrapartida, o meu pequeno almoço, processava-se sempre na benemérita Casa do Alto.

Depois desse acto costumeiro transformei-me na tal “cestinha de mão” providencial: ajudava a limpar o pó e a ajeitar nas inúmeras prateleiras, os livros, os jornais e as revistas que constituíam o bastíssimo acervo do seu saudoso marido.

E havia sempre muito que fazer naquela casa de três andares, quase todos revestidos de prateleiras ou de expositores. E dona Maria Angelina era, além de cuidadosa, muito ciosa do património legado pelo lídimo escritor, de nome Raul Brandão.

Ainda me lembro dela me dizer frequentemente: não ponhas dessa maneira que o meu Raul assim não gostava! E eu, pacientemente, lá ajeitava conforme as suas sábias e generosas diretivas.

- Vês ali o meu “Portugal Pequenino”? É meu, como quem diz! O Raul é que lhe deu aquele retoque da ordem. E por isso acabei por ficar com fama de escritora… Olha, ali ao lado está o meu (esse sim) “Um Coração e Uma Vontade” que é, nada mais nada menos, que uma emocional confissão das relações genuínas entre mim e o meu Raul…

Falar de Maria Angelina – a anciã que o povo de Nespereira ainda hoje venera, considerando os seus gestos de apoio e de solidariedade para com os mais desprotegidos da terra – é prestar-lhe uma justíssima homenagem e um agradecimento por todo o seu testemunho humanitário.

Ainda me recordo quando um dia ela me confidenciou este segredo: - Olha, Francisquinho, a semana passada o meu sobrinho (dr. De Martim, como era conhecido na terra) levou-me até à Lapinha onde, em frente da imagem de Nossa Senhora, me vieram as lágrimas aos olhos… Sabes, foi ali que o meu marido Raul me pediu de namoro pela primeira vez. E, com a bênção dela, fomos sempre, sempre tão felizes… Por isso adorei que me tivessem levado até à Lapinha!

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Muito teria eu que contar desta “verdadeira amazona e lutadora pelos direitos humanos das populações desamparadas do nosso país”, como escreveu o saudoso dr. Santos Simões, em «Um Coração e uma Vontade».

Para terminar – e por falar em namoro e “saudades sem fim” – não quero deixar de citar um famosíssimo poema atribuído a um tal escritor romântico, Raul Brandão, que nada tinha de poeta:

ESQUIVA – Raul Brandão

Quando te busco, foges sempre. Acaso

Temes, meu anjo! que te creste as asas

Esse fogo de amor em que te abrasas?

Este fogo de amor em que me abrasas?

Porque eu bem sei que muito embora oculto,

Por este amor, dás-me também amor.

- Almas talhadas para a mesma dor,

- Professamos os dois o mesmo culto...

Sei que pensas em mim, do mesmo modo

Que penso em ti, ó dona dos meus ais...

Sei que os nossos desejos são iguais

E formam os nossos corações um todo...

Não percebes a vida, nem a posse

Do meu amor, como eu não percebo

Sem a esperança que em teus olhos bebo,

E em teus sorrisos, minha pomba doce!

Na tua esquivança não abrandas

Se longe um do outro andamo-nos buscando,

- Tu, minha amada! os beijos que te mando.

- Eu, minha vida! os beijos que me mandas

No entanto todos sabem que me evitas,

E riem, riem deste sonho meu...

Doudos! que importa que me fujas?

Eu Vivo contigo, e tu comigo habitas?

Foges-me? A sorte que prazeres cria

E a muitos só concede a noite,

Fadou-me para ti – como fadou-te,

- Não fujas mais! para ser minha um dia!

Raul Brandão

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Frassino Machado

In INSTÂNCIAS DE MIM

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