A Baleia de Fabiano
A cada releitura dos clássicos de Graciliano Ramos, vou cumprimentá-lo na orla da Ponta Verde, onde há sua estátua em tamanho normal, como se estivesse caminhando, cabeça baixa, olhando para o chão, onde está a placa que o homenageia.
Em Memórias do Cárcere, lembrei-me de sua passagem pela costa de Maceió, num navio de Recife para o Rio de Janeiro, onde cumpriria sua injusta prisão.
Em Vidas Secas, vi a riqueza de sua criatividade, pensando pelos seus principais personagens, Fabiano, Sinha Vitória e Baleia. Pelos seres humanos, nossos semelhantes, não seria tão difícil imaginar o que eles pensavam, diante daquela seca, com total escassez de alimentos, quando a fome podia trazer alucinações. Mas, pensar pela Baleia, quando ela foi alvejada por um tiro de espingarda do próprio dono, aí se vê o poder da criatividade do escritor. Mergulhou profundamente no pensamento da pobre cachorra, que tanto beneciou o dono, trazendo-lhe o produto de sua caça, os preás, amenizando a fome de Fabiano, Sinha Vitória e seus dois filhos, além dela própria, com os ossos que lhe sobrava. Assim, o pobre animal não entendia a razão por que o dono lhe quis matar.
Triste enredo, criado por quem conheceu o sertão nordestino, em época de seca.
E o mais lamentável foi quando seu conterrâneo, nas áureas farturas de hoje, na condição de relator da CPI da Covid-19, comparou um depoente com a covardia de Fabiano, diante do soldado amarelinho.
Ora, o próprio Fabiano, mesmo com toda a sua ignorância, frisava que não era ao amarelinho que respeitava, mas a sua farda, o governo.
Não fosse isso, de um só tabefe ele o punha ao chão.
O sertanejo, um vaqueiro, analfabeto, respeitava a instituição. Um Senador, membro de uma CPI, fez espetáculo diante das câmeras para que o Brasil o visse.
Graciliano Ramos, seu conterrâneo, poderia ter remexido na cova, se ossos ainda tivesse, pela maldita comparação com seu principal personagem de Vidas Secas, o Fabiano.