Bentinho tem família -mãe, irmãos, primos, filho, ex-mulher - , mas não parece. Anda pelas Quadras Residenciais na sua velha bicicleta, portando um rastelo e uma tesoura de cortar grama. Embora seja um rapaz moreno, magro, musculoso, de estatura mediana apresenta-se com a aparência desleixada semelhante aos que vivem ao relento nas ruas das grandes cidades. Com muitas falhas de dentes, várias cicatrizes, roupas frouxas e manchadas, é um cidadão completamente analfabeto, inquieto, mas trabalhador e carismático. Tem um pequeno telefone celular que só recebe ligações sem a identificação do chamador. Não quer trocá-lo por um melhor, porque acha que "não sei usar e não vou aprender". Só circula dentro de um determinado espaço físico. Não viaja de ônibus, porque já se perdeu em outro bairro e teve dificuldades para retornr a casa. Suas idas e vindas são de metrô conjugadas com a vellha bicicleta. Esta ele conhece bem e sabe quanto custa e onde conseguir as peças mais baratas. Nos seus mais de cinquenta anos sempre trabalhou preferencialamente como jardineiro na Asa Norte, em Brasília. Realiza outros serviços como ajudante de predreiro, carregador de mercadorias, preparação de adubo, pintura de parede e ferragem.Vive literalmente cada dia. Trabalha, recebe, gasta, trabalha, recebe...Com o que gasta? Aluguel, pensão do filho adolescente, cerveja, jogo. Está feliz porque conseguiu um compromisso verbal para limpar jardins, que lhe garante o dinheiro suficiente para pagar o aluguel e a pensão do filho.
"Tá bom demais. O resto não tem problema. Eu me viro com um bico aqui, outro acolá."
Vem à minha casa quinzenalmente para prestar alguns serviços. Quando chega, ofereço café da manhã e depois almoço, mas tenho que prestar atenção ao servi-lo porque é seletivo ao comer. No seu cardápio não entram café, suco de laranja, salsicha, ovos, folhas,
Um dos seus clientes é um casal de dentistas, que se ofereceu para tratar de sua boca, mas ele tem medo e está sempre adiando o início do tratamento. Eu soube que estava sem documento e providenciei para que obtivesse CPF e RG. Ficou muito feliz quando recebeu o documento de identificação "novinho e bonito'. Após isto,
sempre explicando às autoridades que ele não possui um bom aparelho telefônico e é analfabeto, requeri,em seu nome, os auxílios vulnerabilidade, prato cheio, bolsa família.
Mas até hoje não obteve sucesso.