Dom Quixote. Nota breve.

Conversando com os meus botões, um deles aventou uma hipótese, que me deu o que pensar: seria Dom Quixote o crepúsculo de uma era, o da cavalaria andante, era que Miguel de Cervantes Saavedra, nostálgico, via a desaparecer da história da sua amada Espanha, e Sancho Pança, o fiel escudeiro do Cavaleiro da Triste Figura, a era, que se descortinava, materialista, interesseira, e Dulcinéia Del Toboso, a mulher que, perdida, conservava, em seu espírito, a beleza, anímica, que encanta os homens, a entidade que merece respeito, e reverência, porque é o útero em que se gera vidas, e os príncipes, que, jocosos, descompromissados, trocistas inconsequentes que em nada evocavam os nobres reis de antigamente, do mundo que ruía diante dos olhos dele, Miguel de Cervantes Saavedra, um homem, apenas um homem, que nada podia fazer para impedir o avanço impiedoso de um mundo, que o descontentava, um mundo mais poderoso que ele, e ele, impotente, ao criar tais tipos humanos, a conservar, na memória, para o seu agrado, sua querida Espanha, que desaparecia, deu à posteridade a idéia, que fazia, da transição da era áurea, que se perdia, para a da decadência, que se anunciava desavergonhadamente? E é Rocinante os alicerces da era que Cervantes sonhava preservar, mas sabia fadada ao perecimento? Não digo que Miguel de Cervantes Saavedra pensou o que vai nas linhas acima; digo que ele presenciou o que ocorria no seu tempo; e sentiu a perda do que ele estimava, do que lhe era caro, e que, impotente, ele não podia conservar; limitou-se a retratar o fenômeno cultural, civilizacional que, ignorando-o, desenrolava-se diante dos olhos dele. É Dom Quixote de La Mancha uma alegoria?

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 16/03/2022
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