Árvore da vida
“Quando me vejo como árvore, que tipo de árvore eu sou”?
Nayla Cyntra, Missionária de Mato Grosso
A beleza e a importância das árvores longilíneas e exuberantes como os pinheiros, fortes e frondosas como os carvalhos, floridas e frutíferas como as amendoeiras ou simplesmente místicas e curativas como os salgueiros, entre outras mais simples, é inquestionável. Sendo bastante comum vê-las citadas nas reminiscências lúdicas das brincadeiras de crianças, dos piqueniques em famílias ou dos pares românticos ao longo da história da humanidade. Muitas vezes associadas ao paisagismo natural ou artístico e outras tantas à literatura, seja ela em prosa ou poesia, uma vez que muitos autores de diferentes gêneros e estilos, as mencionaram reiteradamente em diversas obras consagradas, cujas referências aos seus mais variados aspectos e simbologias muito nos encantam.
Dentre as referidas menções às arvores na arte literária, destaco o poema transcendental Velhas árvores de Olavo Bilac, uma das poesias mais lindas que se pode ler sobre esse tema, como se pode conferir:
Velhas Árvores
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas…
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
(Olavo Bilac)
Também vale ressaltarmos uma frase da renomada poeta brasileira Cecília Meirelles que, por sua vez, fez bem mais que poetizar as árvores quando, numa sinestesia simples porém profunda e bela, se assumiu uma delas ao escrever: “ Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura”. (Cecília Meirelles).
Menciono ainda, e com igual reverência, o Escritor e Filósofo libanês Khalil Gibran que, sensivelmente poético, afirmou: “Árvores são poemas que a terra escreve para o céu...” (Khalil Gibran). E por último, para não cometer uma injustiça com a temática abordada na presente obra, trago o lindo poema Árvore, a um só tempo bucólico e onírico, do grande Escritor modernista Manoel de Barros para abrilhantar ainda mais este humilde prefácio:
Árvore
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.
Manoel de Barros, M. Ensaios fotográficos.
Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
Assim, não nos restam dúvidas de que as árvores não são apenas belas. Elas são, por excelência e graça divina, maravilhosas fontes de inspirações poéticas e de alívio para os corações cansados e/ou acometidos de saudade ou desilusão, os quais muitas vezes carecem de deitar-se sobre a fresca relva embaixo de suas sombras e simplesmente relaxar...
Mas, deixemos um pouco de lado a beleza e a inspiração poética que as árvores ensejam nos corações humanos independente dos seus gêneros biológicos, suas origens geográficas e os tempos históricos nos quais estiveram inseridos, e ressaltemos agora algumas razões para justificar a grandeza da temática abordada nesta belíssima Antologia intitulada Árvore da vida.
Adentremos assim ao nosso objetivo principal que é entender o porquê da trancendentalidade temática e da relevância da obra que ora se apresenta para além da sua natureza poética e literária.
Voltemos pois, as nossas reflexões para as questões mais essenciais que concernem à própria humanidade, como a existência humana por exemplo, que, ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, não está relacionada ao reino vegetal apenas por questões puramente biológicas. Estas mesmas que desde a infância são ensinadas nas escolas para as crianças desde a mais tenra idade, a saber, sobre a cadeia alimentar, a importância das plantas para o ciclo hidrológico, a produção e purificação do ar que respiramos ou a sustentabilidade do planeta por questões econômicas de exploração de recursos naturais e sobrevivência da fauna e da flora.
As árvores são muito mais importantes para a existência da vida na Terra do que imaginam os indivíduos adeptos do cientificismo e ferrenhos defensores do equilíbrio ecológico. Haja vista que, desde os primórdios do desenvolvimento do raciocínio humano, de acordo com a literatura que trata da sabedoria ancestral, seja para os povos das florestas, seja para os antigos povos indo-europeus ou os povos do extremo-oriente, as árvores são reconhecidas e reverenciadas como entidades espirituais importantes para a existência da vida e para a perfeita harmonia entre as espécies e o cosmos.
Na literatura clássica, por exemplo, muitas árvores foram e até hoje são associadas aos deuses mais poderosos, a exemplo do Carvalho que ora aparece associado nos Mitos greco-romanos ao deus supremo Zeus ou Júpiter, ora é citado nos Mitos nórdicos como sendo a representação do poder de Dagda - Irlanda, Thor – Noruega e Yahweh – povo hebreu. Os povos orientais, por sua vez, consideram o Carvalho como a Árvore Sagrada, guardiã dos portais onde o próprio Krishina costuma se materializar para falar com o povo e até os povos islâmicos associam tal árvore à Alá.
Os povos hebreus e seus descendentes cristãos registraram a importância de diferentes tipos de árvores em várias passagens do seu Livro Sagrado, a Bíblia. Um exemplo é o versículo onde se encontra a menção às árvores criadas por Deus para dar alimento e garantir a harmonia no Éden ou paraíso na Terra, sendo uma delas a Árvore da vida, que, não por acaso, também é o título desta maravilhosa Antologia.
Gênesis 2: 9 –
E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradável à vista e boa para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Além desta passagem bíblica que faz clara referência às árvores como criaturas divinas importantes para a harmonia da vida no planeta, várias outras passagens citadas no Pentateuco fazem clara distinção das espécies e suas simbologias na fé judaica. Uma das mais belas está registrada em Números 17:8, a qual cita a amendoeira como a árvore cujas flores representam o amor de Deus pelo seu povo, posto que num momento de dissidência entre as Tribos de Israel, sobre de quem seria o direito à liderança, Deus orientou Moisés que recolhesse os cajados dos líderes das tribos e apresentasse-os na frente da Arca Sagrada. E em seguida avisasse-os que o dono daquele que florescesse seria o líder escolhido. E foi assim que, milagrosamente do cajado de Aarão brotaram flores de amêndoa.
As flores desta árvore, que por sua beleza, delicadeza e aroma simbolizam o amor segundo a tradição judaica, não foram escolhidas por acaso. Deus as usou para consagrar Aarão porque sabia que uma das características marcantes da sua personalidade era a o amor ao próximo. Era pois “o verdadeiro pacificador para suas ovelhas”.
Mas não nos demoremos tentando conhecer todas as passagens bíblicas em que as árvores como a figueira, a oliveira, a macieira, os Cedros do Líbano, o salgueiro e tantas outras são citadas como portais, instrumentos e símbolos do poder manifesto do Criador. Precisamos perambular um pouco mais nas veredas da temática e nos debruçar um bocadinho sobre as tradições e costumes milenares dos povos animistas, quer dos habitantes mais antigos dos extremos do planeta como os nórdicos e orientais, quer dos povos originários das florestas latinas da América, África ou Oceania, os quais vêm as plantas, entre outros seres, como verdadeiras fontes de cura para o corpo e de limpeza para o espírito.
Esses povos, em diversos rituais citam a utilização das diferentes partes das plantas para o tratamento das mais variadas moléstias da carne e da alma. E várias são as espécies de árvores sagradas e consagradas aos deuses e entidades de diferentes sistemas de crenças. Sejam elas ligadas à ideia animista presente nas práticas religiosas milenares como as dos povos Xintoístas do Antigo Oriente ou dos rituais Inuítes dos esquimós do Alasca à Groenlândia, as quais defendem que todas as coisas e seres possuem uma espiritualidade que se conecta uns aos outros, sejam por meio das crenças e criações de Totens, símbolos sagrados escolhidos entre animais e plantas, como os baobás africanos, as araucárias australianas - símbolos da cultura aborígene - ou a mística Arvore do mundo, uma escultura em forma de árvore representando a cosmologia mesoamericana.
Outro exemplo de árvore sagrada cultuada tanto pelos indianos, coreanos e japoneses nos seus templos budistas quanto pelos povos de origem nagôs na África e no Brasil nos seus cultos aos orixás, é a Gameleira ou Figueira (Fícus Religiosa). Cujas folhas são mencionadas também em alguns estudos bíblicos que se referem ao fato delas terem sido usadas para cobrir os sexos dos homens em rituais e como as vestes de Adão e Eva ao serem expulsos do Paraíso – simbolizando o ato de esconder a vergonha do pecado.
“Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueiras e fizeram cintas para si”. Genesis 3.7
A Gameleira é também a árvore simbólica considerada a personificação animista do Orixá Irókò, cultuado nos terreiros umbandistas africanos e afro-brasileiros, uma espécie de planta-deus ligada à filolatria fetichistas das Senhoras do cajado, que são as Mães-de-Santo da irmandade da Boa Morte de São Gonçalo dos campos, para quem a Gameleira é uma entidade mantenedora da ordem, da fertilidade e da justiça, por isso não pode ser cortada, pois se o for grandes infortúnios se abaterão sobre a comunidade.
Esta árvore, chamada no sul do Brasil como Figueira, merece um pouco mais da nossa atenção meus caros amigos. E não é apenas pelo fato de ter sido citada na Bíblia inúmeras vezes ou por ter as folhas curativas de cinco pontas, o número da graça por representar as chagas de Cristo.
A sua importância neste belíssimo compêndio literário se deve também ao fato de ter sido o primeiro nome da cidade Arvorezinha, a “Capital da cultura do Vale do Taquari”. O Município brasileiro do Estado do Rio Grande do Sul, onde nasceu a nossa querida Organizadora Janaína Ciquelero Bellé. Ilustre Confreira da Academia Independente de Letras- AIL / Persona A Cura e cadeira 149. Membro vitalício da Academia Internacional de Literatura e Arte Poetas Além do Tempo –AILAP; Acadêmica Internacional da Federação Brasileira de Ciências, Literatura e Artes – FEBACLA; Vencedora de concursos literários Regionais e com diversas participações em Antologias Nacionais. Poetisa participante da Revista The Bard e da Comunidade de Escritores Recanto das Letras com o pseudônimo Palavras Líquidas. Organizadora da Antologia Almas Cativas pela Biblio Editora.
Arvorezinha, outrora denominada Figueira em alusão ao seu primeiro habitante Lino Figueira - que se estabeleceu no antigo distrito por volta de 1900 e ajudou a povoar a localidade bem antes de sua emancipação política em 16 de fevereiro de 1959 - localiza-se à 210 km da capital Porto Alegre, e agrega aproximadamente cerca de 10.600 habitantes, grande parte destes são oriundos da Itália e por isso o dialeto vêneto é comumente falado pelos cidadãos, os quais também apresentam manifestações culturais dos povos italianos em suas tradições.
Pois bem! Agora que passeamos bastante pelas mais diversas crenças e tradições religiosas que atribuem às plantas e em especial às árvores, um significado transcendental ligado à espiritualidade dos seres, chegamos finalmente ao propósito principal que é entender onde e como surgiu o título Árvore da vida que tão belamente nomeia esta maravilhosa Antologia.
E eis que ainda nos restam alguns questionamentos referentes à temática:
O que simboliza a Árvore da vida?
Qual é a sua importância e como ela se apresenta para cada um de nós poetas e escritores contemporâneos, também dotados de identidade, espiritualidade e fé?
E as árvores? O que elas significam? Como as vemos?
Como uma amiga frondosa sob a qual se assentam todos os seres necessitados de apoio e proteção, segundo descreveu lírica e belamente o Poeta Olavo Bilac?
Quantos de nós nos enxergamos enquanto árvores como o fez a grandiosa escritora Cecília Meirelles?
Será que as vemos como nossos pares, Poetas como nós, conforme expressou Khalil Gibran?
Ou ainda como um (a) verdadeiro (a) irmã (o) em espírito como poetizou Manuel de Barros?
Enfim! Ficam as reflexões! E independente das nossas crenças religiosas ou da ausência delas, a importância das árvores é notadamente indiscutível em diferentes espaços geográficos, tempos históricos e tradições culturais.
A menção à Árvore da vida, seja na literatura, na psicologia, nas manifestações religiosas cristãs ou não, seja nas tradições pagãs ou nos estudos científicos da interrelação entre os seres vivos e o meio ambiente, se faz contundente devido a sua importância para a harmonia interior e exterior dos seres humanos e destes para com o planeta Terra. O que nos leva a questionar a nossa relação direta com a natureza e as plantas e nos faz refletir para tentar responder a algumas questões como:
Eu sou uma árvore?
Se eu sou uma árvore, que tipo de árvore eu sou?
Ou ainda:
E se eu não me vejo árvore, o que elas significam para mim?
Pensemos sobre isso enquanto não ganhamos um Parque para chamar de nosso, como a Grande Aracy de Carvalho, o “Anjo de Hamburgo” - posto que nossos feitos ainda precisam merecer tão grandiosa honraria - e adentremos ao jardim poético que nos aguarda nesta maravilhosa obra, porquanto contempla as diferentes interpretações da temática segundo as percepções e conhecimentos de cada um dos célebres escritores que a compõem.
Desejo a todos que façam ótimas leituras e, sinestesicamente, sintam-se ao mesmo tempo árvores e visitantes deste espaço transcendental que é a Antologia Árvore da vida, saboreando os doces frutos (Figos?), aspirando os maravilhosos aromas e experimentando as sensações de paz e plenitude que só uma bela caminhada num bosque frondoso é capaz de nos evocar.
Adriana Ribeiro, Poeta e Escritora de Arauá/Sergipe.
Autora dos livros Coração poético: Sobrevivendo na poesia (2020) e Coração poético, volume 2: entre o amor e a filosofia (2021) – Editora Versejar.
Prefácio da Antologia Árvore da vida na íntegra.
Este texto foi produzido para atender à solicitação da Escritora Janaína Bellé, organizadora da referida obra.
Bibliografias consultadas:
Biblia Sagrada
https://ruygripp.com.br/2018/11/07/nomes-arvores-citadas-na-biblia/
Propriedades mágicas do Salgueiro - Viver Natural
https://templodosenhordoalvorecer.com/2012/06/27/iroko-a-gameleira-sagrada/
http://www.unirio.br/ccbs/ibio/herbariohuni/pdfs/a-historia-das-figueiras-ou-gameleiras
file:///C:/Users/55799/Downloads/senhoras-do-cajado.pdf
A magia do carvalho - Viver Natural
https://templodosenhordoalvorecer.com/2012/06/27/iroko-a-gameleira-sagrada/
https://ruygripp.com.br/2018/11/07/nomes-arvores-citadas-na-biblia/
O Deus que nos faz árvores frondosas - FHOP
Aracy de Carvalho – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
https://israelemcasa.com.br/a-amendoa-a-biblia-e-israel/