A ESCOLHA DO LEITOR

A ESCOLHA DO LEITOR

“Você gosta de ler?” “Não!”. A resposta para essa indagação vem marcada por uma contundente negativa. Engana-se por desconhecer o quanto sua cognição se prepara assiduamente para o exercício da leitura. Sim, você lê muito, seja o texto verbal ou não verbal. Estamos em um momento bastante imagético, em que muitas fotos, vídeos, memes circulam nas redes. Entretemo-nos. Horas a fio nos abastecemos de uma imensa gama de informações. Muito tempo quotidianamente dedicado ao acesso à vida alheia. O nos sobra dessa experiência? O que sobra de nós? Quem se (re)conhece nessa multidão fantasiosa, neste mundo de fadas em que todos são ricos, bonitos e bem-sucedidos?

O fato é que há tempo para leitura. Falta-nos o empenho, a força para ir de encontro a preguiça, superar o desconforto (sadio) da ignorância, vencer a palavra desconhecida ao recorrer a um dicionário que, infelizmente, é tachado de “pai dos burros”, quando, na verdade, é o “pai dos inteligentes”. Afinal, apenas pessoas sábias alimentam a curiosidade e se encaminham para sanar sua insipiência (procure o significado desta palavra). Estudar gera um desconforto, mas o resultado dessa aprendizagem é recompensador. Não pela vaidade de ostentar o conhecimento adquirido, mas pelo quanto nos sentimos mais inseridos em práticas sociais. Apesar disso, reconheço que pode haver um movimento (in)voluntário a um certo isolamento, em virtude de não se tolerar determinados tipos de conversas e de indivíduos.

Como professor, sou levado a estar diariamente com muitas pessoas. Não raro, relato minha obsessiva compulsão leitora. Por me reconhecer incompleto, sinto os livros como agentes que me auxiliam a sanar alguns dos tantos vazios. Recebo perguntas recorrentes: “como criar o hábito da leitura”, “como ler mais”, “como gostar de livros?”. Respondo-lhes que primeiramente é preciso começar aos poucos – cinco páginas por dia, por exemplo. Para quem não lê e, de repente, é invadido pela ânsia de fazê-lo, é como alguém que, sedentário, almeja compensar o descuido com o corpo levantando excessivo peso no supino. Será cansativo? Muito. Chato? Deveras. Segundo, é preciso procurar uma obra que, à primeira vista, o agrade. Busque temas de seu interesse. Futebol? Religião? Maquiagem? Não importa. Não se censure. Terceiro, defina metas diárias e semanais: “hoje lerei 30 páginas”, “minha meta é concluir esta obra nesta semana”. Caso não consiga, prossiga e analise se não há algo que esteja sabotando a sua convivência com os textos.

Outro problema alegado pela maioria das pessoas é o fator “tempo”. Não quero entrar no lugar-comum de que isso é uma questão de prioridade, mas, de fato, o é. Porém, é possível fazer um acordo consigo e estabelecer o compromisso de começar o dia um pouco mais cedo e/ou dormir mais tarde para que se possa ler uma quantidade considerável de páginas. Além disso, aproveitar as horas mortas, como fila de banco, consultas médicas, período em transportes, é uma ótima sugestão. E claro: deixe de lado o celular, mantenha-o em um cômodo diferente daquele onde esteja fazendo sua leitura.

Vença o tédio. Controle sua ansiedade. Ler um bom livro o obrigará a ter mais foco, ampliará seu vocabulário. Não se trata de se expressar de modo tão rebuscado, mas de não lhe faltar palavras para exprimir seus sentimentos, suas ideias. Nós somos feitos de linguagem. Supere os períodos longos, as orações subordinadas (quase em extinção), o esforço dos olhos. Além disso, você reconhecerá a expansão de seu repertório sociocultural e garanto que será útil para que melhor compreenda textos diversos, tornar-se-á mais atento aos discursos que circulam pelo mundo e que, geralmente, aceitamos como verdades universais.

Ah, e se você se vir tentado a largar o Machado de Assis, não o chame de chato. A culpa é sua. Tenha humildade de assumir isso. Talvez não esteja preparado para ele. Antes precisa amadurecer. E só se consegue a maturação procurando-a pacientemente. Leva tempo, mas vale a pena! Recomendo que comece com textos mais curtos, como contos e crônicas.

Saia dessa zona de conforto para incomodar o mundo com suas ideias. Estamos cansados de mesmice e monotonia. (Des)estabize o ordinário com a leitura. Não se engane: você gosta de ler e precisa disso. Porém, ainda não sabe. Vamos começar? Escolha o gênero: biografia, romance, novela? Mãos e olhos à obra.

(Texto publicado no jornal A UNIÃO em 17/12/2021)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 17/12/2021
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