Charles Perrault
O escritor francês Charles Perrault tinha quase setenta anos quando lançou em 1667, "Contos de Mamãe Gansa" (Contes de ma mère Oye), também intitulado Histórias ou Contos do Tempo Passado com Moralidades. A obra inclui contos em prosa como "Chapeuzinho Vermelho", "A Bela Adormecida", "As Fadas", entre outros.
Intelectual e ativista, Perrault já era conhecido durante o reinado de Luís XIV, especialmente por seu envolvimento na Querela entre Antigos e Modernos, assim como disse Marc Soriano em seu livro "Guide de Littérature pour la jeunesse" (1978), que nessa Querela está a origem dos contos que o fizeram famoso, pois rejeitando a arte da antiguidade, pois volta-se para a arte popular e, inspirado na literatura oral, organiza a coletânea de contos que provavelmente circulavam nas áreas campestres.
Nos contos dedicados ao público infanto-juvenil, o autor revela suas concepções pedagógicas, considerando que o caráter essencial do livro infantil é a moralidade.
Algumas histórias resgatadas do folclore por Perrault na França, ressurgem na obra dos
irmãos Grimm, na Alemanha, no início do século XIX, com outra versão, tais como "O Pequeno Polegar", "Cinderela", A Bela Adormecida no Bosque", "Chapeuzinho Vermelho", entre outros.
Fonte: Charles Perrault - Ana Maria Lisboa de Mello
Doutora em Letras, Professora de Teoria da Literatura na UnB.
As Fadas
Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas: a mais velha se parecia tanto com ela, de humor e de rosto, que, quem a visse, via a mãe. Eram ambas tão desagradáveis e orgulhosas que não era possível viver com elas. A caçula, verdadeiro retrato do seu pai pela doçura e pela polidez, era, além disso, uma das moças mais belas que já se viu. Como as pessoas amam naturalmente os que lhe são semelhantes, essa mãe era louca por sua filha mais velha e, ao mesmo tempo, tinha uma aversão terrível pela caçula. Ela a fazia comer na cozinha e trabalhar sem descanso.
Era preciso, entre outras coisas, que a pobre criança fosse duas vezes por dia tirar água da fonte, meia légua distante da casa, e que voltasse trazendo uma grande jarra cheia. Um dia em que a moça estava naquela fonte, aproximou-se uma pobre mulher e pediu que lhe desse de beber.
- Pois não, minha boa mulher - Disse essa bela moça.
E, enxaguando logo a sua jarra, ela colheu água no mais bonito lugar da fonte e ofereceu à mulher, segurando sempre a jarra para que ela bebesse mais facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse:
- Você é tão bela, tão boa e tão gentil que não posso me furtar a conceder-lhe um dom (Pois ela era uma fada que assumira a forma de pobre aldeã para ver até onde iria a gentileza dessa jovem). Eu lhe concedo o dom de sair de sua boa uma flor ou pedra preciosa a cada palavra que proferir.
Quando a bela moça chegou em casa, sua mãe repreendeu-a por voltar tão tarde da fonte.
- Peço-lhe perdão, minha mãe - Disse essa pobre moça -, por ter-me demorado tanto tempo. E, ao dizer essas palavras, saíram-lhe da boca duas rosas, duas pérolas e dois grandes diamantes.
- Que vejo aí? - Disse sua mãe, toda atônita. - Creio que lhe saem da boca pérolas e diamantes. De onde vem isso, minha filha? (Essa era a primeira vez que ela lhe chamava "minha filha".) A pobre criança contou ingenuamente tudo o que lhe havia acontecido, não sem soltar uma infinidade de diamantes.
- Realmente, disse a mãe, é preciso que eu mande lá a minha filha. Olha, Fanchon, o que sai da boca da sua irmã quando ela fala; não ficaria bem contente de possuir o mesmo dom? Tem apenas que ir buscar água na fonte, sirva-a muito gentilmente.
- Eu quero que você vá lá. Repetiu a mãe. - E agora mesmo.
Ela foi, mas sempre resmungando. Pegou a mais bela jarra de prata que havia na casa e, nem bem chegou à fonte, logo viu sair do bosque uma senhora magnificamente trajada que veio pedir-lhe de beber: era a fada que aparecera à sua irmã, mas que assumira o aspecto e os trajes de uma princesa, para ver até onde iria a falta de gentileza dessa moça.
- Será que eu vim até aqui - Disse-lhe aquela grosseira orgulhosa - para lhe dar de beber? Então eu trouxe uma jarra de prata expressamente para dar de beber à madame? Já lhe aconselho: beba sozinha, se quiser.
- Você não é nada gentil - Respondeu a fada, sem se encolerizar.
- Pois bem! Já que você é tão pouco amável, eu lhe concedo por dom, que a cada palavra que disser, lhe saia da boca uma serpente ou um sapo.
Assim que sua mãe a viu, gritou-lhe:
- Então, minha filha!
- Então, minha mãe! Respondeu-lhe a grosseira, soltando víboras e dois sapos.
- Ó céus! Exclamou a mãe, - O que vejo aí? É sua irmã a culpada disso, ela me pagará! E correu loo para bater-lhe. A pobre criança fugiu e foi se esconder na floresta próxima.
O filho do rei, que voltava da caça, encontrou-a e, vendo-a tão bela, perguntou-lhe o que fazia ali, assim tão sozinha, e por que estava chorando.
- Ai, meu senhor, é a minha mãe que me enxotou de casa. O filho do rei, que viu lhe saírem da boca cinco ou seis pérolas e outros tantos diamantes, pediu que ela lhe dissesse de onde vinha aquilo. Ela lhe contou toda a sua aventura. O filho do rei se enamorou dela e, considerando que um tal dom valia mais do que tudo o que podia lhe dar em casamento, uma outra, levou-a ao palácio do rei, seu pai, onde se casou com ela. Quanto à sua irmã, ela se fez tão odiosa que a própria mãe a enxotou da casa; e a infeliz, após muito correr sem encontrar ninguém que quisesse receber, foi morrer num canto do bosque.
Moral (Nota do Autor)
Diamantes e moedas reluzentes possuem poder bem forte sobre as mentes.
Palavras boas e suave encanto têm mais valor e força, entretanto.
Outra Moral
A gentileza custa e dá cuidados, e requer sempre alguma complacência;
Mas cedo ou tarde tem sua recompensa, até em momentos menos esperados.
Fim
O escritor francês Charles Perrault tinha quase setenta anos quando lançou em 1667, "Contos de Mamãe Gansa" (Contes de ma mère Oye), também intitulado Histórias ou Contos do Tempo Passado com Moralidades. A obra inclui contos em prosa como "Chapeuzinho Vermelho", "A Bela Adormecida", "As Fadas", entre outros.
Intelectual e ativista, Perrault já era conhecido durante o reinado de Luís XIV, especialmente por seu envolvimento na Querela entre Antigos e Modernos, assim como disse Marc Soriano em seu livro "Guide de Littérature pour la jeunesse" (1978), que nessa Querela está a origem dos contos que o fizeram famoso, pois rejeitando a arte da antiguidade, pois volta-se para a arte popular e, inspirado na literatura oral, organiza a coletânea de contos que provavelmente circulavam nas áreas campestres.
Nos contos dedicados ao público infanto-juvenil, o autor revela suas concepções pedagógicas, considerando que o caráter essencial do livro infantil é a moralidade.
Algumas histórias resgatadas do folclore por Perrault na França, ressurgem na obra dos
irmãos Grimm, na Alemanha, no início do século XIX, com outra versão, tais como "O Pequeno Polegar", "Cinderela", A Bela Adormecida no Bosque", "Chapeuzinho Vermelho", entre outros.
Fonte: Charles Perrault - Ana Maria Lisboa de Mello
Doutora em Letras, Professora de Teoria da Literatura na UnB.
As Fadas
Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas: a mais velha se parecia tanto com ela, de humor e de rosto, que, quem a visse, via a mãe. Eram ambas tão desagradáveis e orgulhosas que não era possível viver com elas. A caçula, verdadeiro retrato do seu pai pela doçura e pela polidez, era, além disso, uma das moças mais belas que já se viu. Como as pessoas amam naturalmente os que lhe são semelhantes, essa mãe era louca por sua filha mais velha e, ao mesmo tempo, tinha uma aversão terrível pela caçula. Ela a fazia comer na cozinha e trabalhar sem descanso.
Era preciso, entre outras coisas, que a pobre criança fosse duas vezes por dia tirar água da fonte, meia légua distante da casa, e que voltasse trazendo uma grande jarra cheia. Um dia em que a moça estava naquela fonte, aproximou-se uma pobre mulher e pediu que lhe desse de beber.
- Pois não, minha boa mulher - Disse essa bela moça.
E, enxaguando logo a sua jarra, ela colheu água no mais bonito lugar da fonte e ofereceu à mulher, segurando sempre a jarra para que ela bebesse mais facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse:
- Você é tão bela, tão boa e tão gentil que não posso me furtar a conceder-lhe um dom (Pois ela era uma fada que assumira a forma de pobre aldeã para ver até onde iria a gentileza dessa jovem). Eu lhe concedo o dom de sair de sua boa uma flor ou pedra preciosa a cada palavra que proferir.
Quando a bela moça chegou em casa, sua mãe repreendeu-a por voltar tão tarde da fonte.
- Peço-lhe perdão, minha mãe - Disse essa pobre moça -, por ter-me demorado tanto tempo. E, ao dizer essas palavras, saíram-lhe da boca duas rosas, duas pérolas e dois grandes diamantes.
- Que vejo aí? - Disse sua mãe, toda atônita. - Creio que lhe saem da boca pérolas e diamantes. De onde vem isso, minha filha? (Essa era a primeira vez que ela lhe chamava "minha filha".) A pobre criança contou ingenuamente tudo o que lhe havia acontecido, não sem soltar uma infinidade de diamantes.
- Realmente, disse a mãe, é preciso que eu mande lá a minha filha. Olha, Fanchon, o que sai da boca da sua irmã quando ela fala; não ficaria bem contente de possuir o mesmo dom? Tem apenas que ir buscar água na fonte, sirva-a muito gentilmente.
- Eu quero que você vá lá. Repetiu a mãe. - E agora mesmo.
Ela foi, mas sempre resmungando. Pegou a mais bela jarra de prata que havia na casa e, nem bem chegou à fonte, logo viu sair do bosque uma senhora magnificamente trajada que veio pedir-lhe de beber: era a fada que aparecera à sua irmã, mas que assumira o aspecto e os trajes de uma princesa, para ver até onde iria a falta de gentileza dessa moça.
- Será que eu vim até aqui - Disse-lhe aquela grosseira orgulhosa - para lhe dar de beber? Então eu trouxe uma jarra de prata expressamente para dar de beber à madame? Já lhe aconselho: beba sozinha, se quiser.
- Você não é nada gentil - Respondeu a fada, sem se encolerizar.
- Pois bem! Já que você é tão pouco amável, eu lhe concedo por dom, que a cada palavra que disser, lhe saia da boca uma serpente ou um sapo.
Assim que sua mãe a viu, gritou-lhe:
- Então, minha filha!
- Então, minha mãe! Respondeu-lhe a grosseira, soltando víboras e dois sapos.
- Ó céus! Exclamou a mãe, - O que vejo aí? É sua irmã a culpada disso, ela me pagará! E correu loo para bater-lhe. A pobre criança fugiu e foi se esconder na floresta próxima.
O filho do rei, que voltava da caça, encontrou-a e, vendo-a tão bela, perguntou-lhe o que fazia ali, assim tão sozinha, e por que estava chorando.
- Ai, meu senhor, é a minha mãe que me enxotou de casa. O filho do rei, que viu lhe saírem da boca cinco ou seis pérolas e outros tantos diamantes, pediu que ela lhe dissesse de onde vinha aquilo. Ela lhe contou toda a sua aventura. O filho do rei se enamorou dela e, considerando que um tal dom valia mais do que tudo o que podia lhe dar em casamento, uma outra, levou-a ao palácio do rei, seu pai, onde se casou com ela. Quanto à sua irmã, ela se fez tão odiosa que a própria mãe a enxotou da casa; e a infeliz, após muito correr sem encontrar ninguém que quisesse receber, foi morrer num canto do bosque.
Moral (Nota do Autor)
Diamantes e moedas reluzentes possuem poder bem forte sobre as mentes.
Palavras boas e suave encanto têm mais valor e força, entretanto.
Outra Moral
A gentileza custa e dá cuidados, e requer sempre alguma complacência;
Mas cedo ou tarde tem sua recompensa, até em momentos menos esperados.
Fim