Oficina de formação de escritor: isso existe?
Patativa do Assaré, o poeta da miséria sertaneja, foi ímpar no que diz respeito à criação literária: se tornou em um dos maiores poetas do cancioneiro popular sem saber ler nem escrever. Porém, infelizmente, o mundo só gera um Patativa a cada século.
Não se faz um escritor em sala de aula se ele não tiver vocação para tal. A escola apenas aprimora a técnica via regras gramaticais vigentes e a elas o escritor deve tomar a bênção todas as vezes que começa a desenhar o primeiro parágrafo. A gramática é o cordão umbilical que liga o escritor à página caracterizada. Sem ela, o escriba asfixia e mata o feto que está a conceber. Não estou aqui falando apenas do reducionismo da gramática normativa, que é o instrumento de dominação cultural herdado da colonização europeia, mas também da gramática descritiva, que vai além do certo e do errado e considera as variantes linguísticas como fator indissociável da língua como canal de interação social, principalmente quando usada na voz da personagem. “Fi-lo porque qui-lo” só se deve usar numa reencarnação de Jânio Quadros. Mesóclise somente se a personagem for portuguesa.
Todo escritor deve ter como princípio a coerência do narrar e a simplicidade do escrever. Buscar palavras no fundo do dicionário ao estilo parnasiano não torna o texto mais interessante do que aquele que escreve usando o estilo coloquial. A semântica cedeu lugar às metáforas e metonímias que transformaram as palavras numa sinfonia polissêmica, cheias de sons e ressignificados, como a pedra que tinha no meio do caminho de Drummond. Em outras palavras, navegar é preciso, mas escrever são outros quinhentos. O semiárido também é o semifértil.
Se você é da turma que não é contra nem a favor, muito pelo contrário, fique sabendo que, muito pelo contrário do que você pensa, não existe discurso neutro. As palavras foram feitas para dizer, e quando dizem, ardem em ideologia. Ser neutro é ser ideologicamente um babaca que pensa ser um intelectual.
Os poetas cantadores, também chamados de repentistas (ou menestréis), não escrevem o que cantam, pois são uns privilegiados mnemônicos e raciocinam com a velocidade da luz. Porém, para chegarem a tal rapidez de coordenação intelectual, treinam bastante seus neurônios, construindo técnicas de reposição de versos de efeito relacionados ao mote. Mas um fato é certo: eles leem bastante.
Portanto, se você não nasceu um Patativa do Assaré ou um Chico Xavier, não adianta procurar os devaneios enganadores nos anúncios de certas oficinas literárias que prometem formar escritores. Isso é engabelação para pegar otário. Se você quer fazer a diferença, leia e estude sem medo de ser feliz, pois, mesmo que você não se torne uma escritora ou escritor de mancheia, certamente será uma cidadã ou cidadão que terá lugar à mesa de quem gosta de uma boa prosa.
Afora isso, é pura literatice o que você faz.