LIVROS, NÃO ME LIVRO
LIVROS, NÃO ME LIVRO
Eduardo Frieiro, no seu livro “Os livros nossos amigos”, começa-o afirmando que “querer bem aos livros é sentimento que se parece muito com o amor dos sexos”, pois o verdadeiro amante dos livros sente mais do que uma necessidade intelectual; física. Eles estão no quarto, na sala, cozinha, mesa. Ao pé e na cabeceira da cama. Nas travessias do amor, terreno íngreme, quantos são aqueles que recorrem a uma boa leitura, entre um choro e um travesseiro. O amante é possessivo. E aqui vale a seguinte frase: “Prefiro dar dois livros a emprestar um”. Não importando se a obra é rara ou não. Seu objeto é seu. O gozo está no tato, nos olhos e no cheiro.
Conta Frieiro que o autêntico bibliófilo tem algo de Homo eroticus: como um Don Juan dos impressos, anseia possuir todos os livros, como o caso do bibliomaníaco Boulard que, no alvoroço, chegou a comprar vários prédios em Paris, nos quais atulhou cerca de seiscentos mil volumes que aglomerou até a morte. Recordo-me de uma crônica de Moacyr Scliar intitulada “Os livros como paixão”, na qual ele relata a história de um idoso de 85 anos que foi proibido de entrar em bibliotecas da Califórnia. O motivo? O senhor roubava os livros.
E “o importante era possuir os livros, saber que toda aquela riqueza cultural do passado estava ali, ao alcance de sua mão”. Ler não era o principal. No apartamento, onde ele morava, estava repleto de literatura médica até autoajuda. Scliar encerra dizendo que o velho tem um sonho, de um dia ganhar na loteria, então comprará uma biblioteca – só dele – onde contratará bibliotecários, roubará os livros, e seus funcionários não poderão dizer nada. Mas, há um problema. O seu inimigo; o tempo, real ladrão, não tem paixão alguma por livros.
Não consigo conceber a ideia de que há pessoas que não gostam de ler. Creio que a elas a leitura foi mal apresentada. Leu algum livro, muitas vezes na escola, por imposição, para fazer uma prova, com o qual ainda não havia maturidade para se dar, seja pela linguagem, trama ou ânimo. É só se permitindo que o saber retornará ao passar os olhos pelas letras. É natural repelirmos autores aos 15 e estes serem nossos prediletos aos 30. Cada idade pede os seus.
Aprendi que fora os livros de ensino, formação e informação, devemos ler os que tenham contidas as respostas das interrogações do nosso Eu, ou quando estes nos derem prazer. Não lerei Joyce, Proust, Homero, Virgílio, Dostoievski, entre outros, se não sentir satisfação em lê-los. Para quê? Bancar o falso erudito? Só para dizer que os li? Sei que, como professor, intelectual, devo conhecê-los, para comentar com os meus alunos, mas não venham me dizer que tenho OBRIGAÇÃO. Meu dever é excitar o gosto pelas ciências humanas.
Acredito que não viverei mais de 100 anos e se viver não terei lido trinta por cento do que gostaria. Então, aprecio ou rejeito o que vier. Mas, não deixo de tê-los e de me dar a eles. Sou autor dos livros que leio. Não teremos séculos de vida cronológica. Todavia, poderemos ler séculos. Mãos, olhos e nariz à obra.