DIREITO À LITERATURA

DIREITO À LITERATURA

Qual o papel da literatura na nossa vida? Todos têm direito e acesso a ela? Antes de refletirmos acerca dessa indagação, trago o conceito de literatura dado por Antonio Candido no ensaio “Direito à literatura”: “Todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos de folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção das grandes civilizações”. Por essa definição, é impossível imaginar que alguém tenha sido privado desse mundo, necessário, porque nos é facultada a fabulação. Se o sono é a válvula de escape para não enlouquecermos diante da parafernália cotidiana, então a literatura cumpre o papel de um sonho acordado. A contação de histórias, a fofoca, são mecanismos responsáveis pela nossa sanidade. Analfabetos ou eruditos, todos nós possuímos um universo literário individual.

Toda sociedade e indivíduo criam suas manifestações através de um conjunto de sentimentos, crenças e vivências. Mas, é necessária uma literatura proscrita, canônica, para termos um referencial de modelo educativo. Nenhuma poesia, arte, deve ter papel de censura ou conter sermões, pois, dessa forma, estará inibindo o leitor, para quem muitas vezes os livros ainda são objetos de uso exclusivo dos literatos. Candido defende que a literatura tem papel humanizador, porém não há como garantirmos que os efeitos dela sejam iguais para todo mundo. “O apanhador do campo de centeio” pode agir como catalisador a um adolescente ou pode gerar uma angústia, incitar à violência como aconteceu com o jovem Mark Chapman, que assassinou John Lennon e disse ter sido influenciado por essa leitura. Será? Entretanto, talvez humanize mesmo, porque faz viver e, se a nossa existência não é perfeita, o humano está fadado aos erros, então ao mesmo tempo em que fragiliza, fortalece. A literatura, como a vida, pode trazer efeitos drásticos. Ninguém será o mesmo depois de ler um livro, seja ele bom ou ruim. Mas, sim, a literatura é um bem incompressível; assegura a instrução, as crenças e opiniões. Mas, não, não garante sanidade mental. Talvez a equilibre. Literatura é um conjunto de símbolos, que ao longo da leitura nós vamos interpretando e esta, repito, nunca será igual.

Machado de Assis, Dostoievski, Camões, entre outros, podem ser usufruídos pelas classes mais desfavorecidas, até mesmo as que não têm o mínimo necessário à sobrevivência. Meu avô aprendeu a ler sozinho, não frequentou a escola e era um leitor voraz de tudo, inclusive de Machado, José de Alencar, Graciliano Ramos e José Américo de Almeida. Se esse prazer é passado pelo sangue, então devo isso a ele. Não é verdade que a cultura e a arte eruditas são voltadas à elite. Nas classes mais abastadas, sem generalizar, predominam pessoas que estão preocupadas com futilidades, procuram ler e escutar o que está na moda. E os que detêm algum conhecimento, geralmente guardam para si mesmos. Utilizam para inflar o ego, posar de intelectual, na verdade um falso erudito. Se empanturram de referências e fazem umas citações para se sentirem superiores. Precisamos de um espaço maior para exercermos nossos delírios, nossa criticidade e para sairmos do senso comum. Conseguiremos isso quando o acesso à literatura for tão compressível quanto comer. Uma coisa é certa: bens espirituais nunca serão privatizados. Ou já o é? Será???

Leo Barbosa é professor, poeta e escritor.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 03/07/2021
Código do texto: T7291820
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