Mulheres escritoras: Por que, para que e sobre o quê elas escrevem?
• Adriana Santos Ribeiro Santana
 
     Quando se lê um texto com um conteúdo instigante, fundamentado e que de alguma forma contribui para uma reflexão sobre a vida, sobre os comportamentos e os papéis sociais, é comum que se tenha interesse e procure saber quem escreveu e, quando se faz isso, descobrem-se pessoas e mundos incríveis por trás dos temas e suas abordagens. Muitas histórias inimagináveis, lutas de classes, batalhas pessoais incansáveis, histórias belíssimas de escritores e escritoras representados como vencedores natos.
     Pensa-se, muitas vezes erroneamente, que esses escritores tiveram vidas fáceis e promissoras desde o início e que suas vidas foram ou são inspiradoras por serem confortáveis, prósperas, e, apenas por serem assim, lhes deram oportunidades para pensar e escrever. Mas, quando se conhece a fundo a história desses escritores, lendo suas biografias ou autobiografias, acaba-se descobrindo que não é bem assim. Que por trás de cada história contada, há um indivíduo que lutou muito para se expressar e isso não é muito diferente entre homens e mulheres que adentraram a área da comunicação e expressão escrita.
     
     Não obstante, no que se refere à aceitação social, a sociedade sempre reservou um olhar ainda mais diferenciado para as mulheres escritoras. As testando sempre ao máximo possível através de críticas ferrenhas ou da simples exclusão. De modo que, quando uma mulher se sobressaía nas áreas artísticas ou da literatura, da escrita poética, ou, seja qual fosse o gênero, isso era e ainda é, considerado um fato extraordinário ou atribuía-se sempre tal mérito ao “homem por trás dela”.
     Quem lê, por exemplo, Ciranda de Pedra ou qualquer um dos romances da escritora Lygia Fagundes Telles, tem a impressão de que ela tinha um arsenal literário gigantesco oriundo da sua condição social abastada e que, portanto, não precisou lutar muito para se expressar. Seja por conta da sua posição social ou algo nessa linha de pensamento, pois a mesma era filha de um escritor e de uma pianista. Mas ao se debruçar sobre sua história, as pessoas percebem que a escrita para a autora foi na verdade uma válvula de escape para que ela pudesse contar o que vivenciava e pensava sobre o que estava a sua volta e, assim, se expressar.
     Na década de 1920 como a própria história da autora revela, ela observava a própria mãe, que havia sido tolhida pela sociedade preconceituosa, priorizar a família e não conseguir exercer a carreira profissional de musicista que fora seu sonho a vida toda - ser pianista. Assim, como faz saber a biografia da referida autora, percebe-se que muitas mulheres deixaram de correr atrás dos seus sonhos, de buscar ser uma artista, uma escritora, pianista, poetisa ou exercer qualquer outra profissão ligada à área da literatura e/ou da arte por conta dessa sociedade que historicamente as colocava em um papel que não era o que elas queriam desempenhar, mas com o qual tinham que se conformar.
     Também pelo que consta na biografia da Lygia Fagundes Telles é possível perceber que ela ousou na Literatura e teve êxito, claro que por conta da sua capacidade discursiva em um momento em que o Brasil ainda carregava no seu seio muitos resquícios do machismo, do sexismo e da misoginia. Mas, assim como naquela época, mesmo nos dias atuais a mulher ainda tem que vencer certos paradigmas para conquistar espaços que eram e continuam sendo hegemonicamente masculinos. E, embora a referida autora tenha conseguido fazer isso, é possível perceber que não é sempre que isso acontece.
  
      E é justamente por isso que histórias como a da Lygia, da escritora Virginia Woolf, de Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis, Clarisse Lispector, Cora Coralina, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Simone de Beauvoir e Florbela Espanca, entre uma infinidade de autoras reconhecidamente lutadoras e conquistadoras de um espaço literário, precisam ser relembradas sempre que se trata de descortinar as suas ações, independente de quais sejam e de quais propósitos tenham as levado a se manifestarem, o fato é que todas as grandes escritoras que tem hoje seu nome no rol das escritas de maior expressividade, têm uma história que nos leva a entender que a arte literária foi e continua sendo uma forma de libertação, de reflexão e de comunicação e expressão dessas mulheres.
     
     Um exemplo concreto dessa luta para se afirmar no universo da escrita é a trajetória da escritora britânica Virginia Woolf. Sua biografia revela que a arte literária era uma válvula de escape para que ela pudesse vencer o estigma das doenças mentais que lhes eram creditadas. Assim, a literatura permitiu a esta autora se expressar, refletir e dar ao seu pensamento uma liberdade que ela não tinha na vida concreta do cotidiano em que estava inserida.
     Virginia Woolf era filha de um escritor e historiador muito importante, o renomado Sir Leslie Stephen e, no entanto, ela não conseguia em meio à família e à vida social que tinha, expressar suas angustias e decepções, sendo, pois a literatura um meio que lhes dava essa possibilidade. E, mesmo em meio à história triste que a cercava, pode-se perceber que dentro da esfera literário ela deixou um grande legado e conseguiu conquistar o seu lugar entre grandes escritores londrinos. E mesmo que, infelizmente isso não a tenha ajudado a superar seus problemas psicossociais que a levaram a atentar contra a própria vida, ao menos servem hoje de exemplo de que a escrita foi sua melhor arma contra a opressão e à depressão.
     Já a escritora Carolina de Jesus merece um destaque especial pelo fato de ser uma escritora negra cuja condição social, decorrente da situação financeira em que vivia enquanto residente de uma favela, seria o seu maior impedimento se não fosse a sua gana de se expressar. Observando a sua trajetória contada na biografia do seu primeiro livro, é impossível dizer que só consegue espaço no rol literário alguém que tem uma vida ociosa, uma vida confortável, pois não é verdade e a vida de Carolina de Jesus é a prova cabal disso. Sua história de superação leva ao entendimento de que escrever é uma possibilidade que se estende a todos, se assim o quiser.
     A referida autora foi alfabetizada na infância, mas não foi muito além disso, ao mudar-se para São Paulo, passou a viver uma vida de penúria e sofrimento na favela, onde tinha tudo para deixar de se importar com a leitura e a escrita. Mas, ao invés disso, recolhia cadernos velhos e os usava para fazer seus escritos, os quais lhe renderam o livro “Quarto de despejo: Diário de Uma favelada”, que se tornou o seu passaporte para o rol da literatura brasileira. E a publicação desse livro conseguiu vender 10 mil exemplares que se esgotou em uma semana. Isso foi e ainda é um feito incrível para uma mulher negra que estudou tão pouco. E o que ela escrevia? Seu cotidiano.

     Assim, nessa semana da mulher, quando o mundo volta seus olhos mesmo que por um dia do mês de março para o universo feminino, é preciso pensar também na relação destas mulheres com a literatura a nível mundial. É impossível não falar das mulheres escritoras talentosas, que viveram em épocas distintas e situações sociais e financeiras diferentes, e, no entanto suas histórias são parecidas porque elas usaram a literatura para superar os problemas que enfrentavam.
     Outra escritora que merece destaque por sua grande expressividade na literatura e desta vez afro-brasileira é a maranhense Maria Firmina dos Reis. Afrodescendente e filha bastarda numa época de grande manifestação do preconceito de classe e do racismo. Viveu no interior do Estado até ficar órfã e ir morar com a tia em São Luís que a ajudou a se formar em Magistério. Tornou-se professora aos 25 anos, e na área da educação fez um nome literário ligado a Cadeira de Instrução Primária no Maranhão. Ganhou alguns prêmios literários e publicou junto a esta casa: ficções, crônicas, enigmas e charadas. Não era muito dada à poesia, porém escrever era a sua forma de expressão, principalmente quando se aposentou na década de 1880, continuando a escrever ainda por muito tempo. Entre suas inúmeras obras está Úrsula, o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina.
     E falar em mulher escritora é falar também da doce poetisa Cora Coralina, a “Aninha de Drummond”. Esta, por sua vez, superou o estigma da idade, publicando pela primeira vez aos 75 anos de vida. Sua escrita singela, clara e intuitiva refletia a essência da mulher do lar, aquela que viveu dedicada à família, mas não deixou de pensar na vida e na arte de escrever. Tendo guardado seus textos por uma vida toda e vencendo a ideia de que pra brilhar na área da literatura precisava-se começar a publicar desde pra se inserir nos meios literários. Sua história atesta que, definitivamente, idade não é um empecilho para a ascensão literária. E sua temática preferida não foram outras que não a vida, o amor, a familia, a força espiritual e a felicidade.
   
  Cecília Meireles, considerada a melhor poeta brasileira foi também e defensora ferrenha do termo sem especificação de gênero no Brasil, justamente por seu cunho discriminador. Teve sua vida literária ligada à Educação e ao Jornalismo além da arte da poesia. Apresentou dentro e fora do país o exemplo feminino da literatura neo-simbolista e primando pela linguagem simples e direta, escreveu sobre diversos temas entre os quais se destacaram o efêmero e a vida contemplativa. Como professora foi uma ativista política da área, lutou pelas reformas educacionais e defendeu a construção de bibliotecas infantis.
     Raquel de Queiroz, outra escritora que vale a pena destacar na literatura nacional, tornou-se reconhecida ao publicar o romance O Quinze em 1930 retratando a luta do povo nordestino contra as mazelas da seca. Uma espécie de literatura denunciante que demonstrava a preocupação com questões sociais e com a descrição psicológica de seus personagens. Enveredou pela literatura política e social a partir de 1928 e deixando várias obras importantes nessas áreas.
     Clarice Lispector, imigrante judia, estudiosa e amante da arte literária, se dizia incansável questionadora e assumiu a carreira jornalística mas também estudou Antropologia e Psicologia, sua condição social a possibilitou estudar vária línguas e piano, mas também gostava da poesia. Casada com um diplomata viveu em vários países o que lhe rendeu uma bagagem literária ainda maior e mais aprimorada. Era uma eterna crítica de si mesma e uma das suas frases mais célebres ilustra o motivo desse Artigo que é entender porque as mulheres escrevem. Para Clarisse escrever não era decorrente de um propósito, uma temática ou uma forma. Segundo a autora “quem escreve só está querendo desabrochar de algum modo ou de outro”.
     Já Florbela Espanca, a poetisa portuguesa que conseguiu se sobressair em um cenário literário dominado pelos homens e foi considerada uma sonetista renomada, muito embora sua poesia não fosse formalmente escancionada e fugisse da métrica formal presumidamente fundamental no gênero. E, apesar de suas obras versarem sobre as temáticas intimistas, foi sem dúvida a representante feminina da emancipação literária das mulheres do seu pais.
     
     Outro exemplo da Literatura feminina ligada ao ativismo político é a renomada escritora francesa Simone de Beauvoir. Nascida no inicio da segunda década do Século 20 em plena França libertária, foi uma grande defensora do existencialismo filosófico e ferrenha defensora dos direitos femininos sendo, pois a grande mentora do movimento que via a ser chamado de Feminista. Escreveu a Obra icônica intitulada “Segundo sexo” e nela faz referencias a termos e fantasias sexuais femininas nunca antes ousados por mulheres, verdadeiros tabus que ela, por meio da literatura, desmistifica. Além é claro de defender o sufrágio feminino, coisa que para uma sociedade cuja política estava centrada apenas nas esferas masculinas da sociedade, era no mínimo uma afronta e um disparate ao mesmo tempo.
     Percebe-se que a literatura na vida das mulheres é muito mais que uma expressão poética, uma expressão da sua fragilidade, do seu emocional ou da sua busca de equilíbrio, pois, além disso, claro, há também a grande capacidade de se expressar em diversas áreas profissionais, e hoje em dia, com os meios eletrônicos de publicação, as mulheres estão aí cada vez mais se expressando através da escrita, em áreas diversas sejam elas acadêmicas, literárias ou científicas. E isso demonstra que, apesar de ainda haver uma visão de que a escrita é uma prerrogativa masculina e também diretamente atribuída às elites, é através da história dos grandes e mais expressivos autores que se observa o fato de que essa suposição não procede.
     Mesmo porque, quem escreve, independente do gênero, não o faz pensando apenas em vender livros. Quem escreve o faz por ter algo para dizer e querer compartilhar. De modo que não depende da condição social ou de qualquer outro tipo de classificação. A poesia é uma das vertentes da escrita em que as mulheres escrevem, pois elas não escrevem só romances, só prosas poéticas, modas femininas, decorações de ambientes ou só sobre receitas culinárias. Enfim, a mulher escreve sobre tudo o que ela quer.
     A poesia erótica, por exemplo, era um tabu de tão constrangedor para as mulheres. Mesmo agora ainda o é. Essa sempre foi uma área da literatura, por assim dizer, em que os homens dominaram a escrita o tempo todo. Então quando a mulher se expressa nesse sentido corre o risco de parecer vulgar e muitas vezes são consideradas assim.
     A mulher hoje no Século 21 escreve sobre o que quer, gosta ou sente que precisa escrever. Ela vem conquistando seu espaço nos meios literários e suas trajetórias enquanto escritoras as colocam em lugares um pouco mais confortáveis que antigamente. Mas, para tanto é necessário relembrar toda uma luta que veio antes quebrando barreiras e a lhe dar suporte para enfrentar todos os tipos de preconceitos. É necessário lembrar que todo esse espaço conquistado, essas batalhas vencidas, essas lutas enfrentadas tiveram por trás uma conjuntura de luta política, de luta pelos direitos sociais, pelos direitos de uma classe inteira pelo sufrágio universal, pelo direito de ter uma profissão, de vestir fazer o que tivesse vontade de fazer, pelo direito de escolher seu próprio marido ou de não fazê-lo se não quisesse.
     Uma série de lutas que a mulher vem superando junto com a luta pelo direito de se expressar. Então os movimentos feministas que deram origem ao que a gente comemora esta semana no dia 8 de março - o dia internacional da mulher - e não pode nunca estar desatrelado da luta pelos direitos de comunicação e expressão da mulher. Nunca se deve perder de vista que uma coisa está ligada a outra. A mulher escritora, a mulher jornalista, pesquisadora, poetisa ou poeta, estão agora inseridas nos meios digitais que facilitam a publicação, a divulgação dos seus trabalhos literários através de sites de blogs, de páginas e plataformas como Face book Instagram, Twitter, wattpads e outras, que estão disponíveis para que muitas delas publiquem seus textos.


 
*Adriana Santos Ribeiro Santana, Pedagoga e Historiadora. Professora da Rede  Pública de Ensino do Estado de Sergipe, escritora e poetisa. Membro da Academia Independente de Letras – AIL /PE.  Autora do livro de poesias Coração Poético: sobrevivendo na poesia pela Editora Versejar e participante de mais de 14 Antologias de Editoras diversas.



https://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles
https://pt.wikipedia.org/wiki/Carolina_de_Jesus
https://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_lispector
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cora_Coralina
https://pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ligya_fagundes_telles
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Firmina_dos_Reis
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rachel_de_Queiroz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Beauvoir
https://pt.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf
Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 16/02/2021
Reeditado em 19/02/2021
Código do texto: T7186193
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