O BERÇÁRIO CRIATIVO

Em Poesia não existe nada com maior força de veracidade do que o verbo na primeira pessoa: inquestionavelmente o Eu comanda a criação. Cada autor concebe a poética à sua maneira e gozo. Enfim, arte não se define e cada qual assina a sua digital. Cada ser é um universo individuado e a arte, por ser fruto deste ser, não permite definição que não possa vir a sofrer questionamentos vários.

O pior é que somos amestrados a vida inteira no sentido de que tudo tem explicação racional. Sim, é verdade, cada um tem, haurida do mundo circunstante e dos livros, a sua concepção, mesmo que seja nada mais do que uma mentira cunhada na repetição. Aos setenta, na véspera ou antevéspera da finitude, ela já se tornou uma verdade com foros comprobatórios.

Não é por outra razão que para Otto Maria Carpeaux, a Poesia é mais sublime e intenso patamar inteligível para denominar a mentira. Com esta assertiva ele racionaliza a emoção e a inventiva é dominadora: a farsa, a fantasia e o sonho são realidades plenas nos territórios do berçário criativo da palavra.

Correto, nós, tutores de poemas, somos isso mesmo: rotulamos o bem e o mal segundo nossas concepções e flertamos com a felicidade. Escrevemos para centenas, milhares ou até para milhões de pessoas, nos aparentemente inesgotáveis domínios internéticos, especialmente para os jovens ávidos de abrir os sótãos e os porões da convivência universal.

Depois, com o escoar do tempo e sua implacabilidade – já encanecidos – aqueles mesmos talentosos acabaram por criar uma verdade insofismável. E se torna insuportável a montanha de veracidade sobre a mentira decantada aos quatro ventos.

Ainda bem que o jovem desafiador Friedrich Hegel concebeu a dialética e o seu imanente processo transpurificador. Com a nova tese surgem novas dúvidas e a mentira se renova. De posse delas, a humanidade pode explicar melhor a concepção dialética de sua história.

Resta esperar o que vem por aí nesse transcorrer de inquietudes e a imensa solidão de afagos no isolamento social que exigem as pandemias e a solicitude frente ao olho cego dos magos da informática. Ainda bem que a imagem e a palavra salvam em nós a ansiedade de rever o mundo em suas tropelias de arte e palavra.

Nós, escribas, somos os bonecos que não aceitam o congelamento das imagens, porque a vida continua célere de mudancismos.

MONCKS, Joaquim. A VERTENTE INSENSATA. Obra inédita, 2017/2021.

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