O DIABO LOURO MATOU UM SANTO
O DIABO LOURO MATOU UM SANTO
Manoel Belarmino
Naquele ano de 1932, no sertão sergipano, principalmente em Poço Redondo, trovejava de cangaceiros e volantes. "Era uma febre", como diz o escritor e pesquisador Alcino Alves Costa. O sertão estava sob uma seca medonha, os raios solares do céu sem nuvens desciam estorricando tudo. A caatinga estava esbranquiçada e ressequida. Os carcarás vadiavam nas queimadas, devorando calangos e outros bichos queimados; os urubus faziam ajuntamento nos entornos dos tantos restos mortais de bois e vacas; e na Fazenda Mandaçaia já fazia algumas noites que se ouvia o canto agourento da coruja rasga-mortalha. A seca e o Cangaço desolavam aquele sertão. E o medo. O medo da fome e o medo da morte.
Na Fazenda Mandaçaia, morava o vaqueiro Santo com sua esposa Caçula e uma arredada de filhos ainda pequenos. Apesar da seca e dos cangaceiros e volantes, o vaqueiro estava sobrevivendo ali. O sossego e a tranquilidade do vaqueiro Santo acabara quando o cangaceiro Corisco apareceu repentinamente e pediu que o vaqueiro levasse um bilhete para o fazendeiro Mané Briginho exigindo uma quantia avultada de dinheiro.
O vaqueiro Santo levou o bilhete até o fazendeiro. Dias depois estava com o dinheiro para entregar ao bandoleiro Corisco. Lampião ficou sabendo e foi à casa de Santo pegar o dinheiro que seria para Corisco e mandou Santo levar outro bilhete pedindo mais dinheiro a Mané Brijinho para entregar a Corisco. Mané Brijinho ao receber aquele outro bilhete, e desta vez escrito por Lampião, mandou mais dinheiro. Por coisas do diabo, o comandante do destacamento de Poço Redondo chamado sargento Ernani ficou sabendo daquele negócio e mandou prender Santo. Exigiu que Santo contasse tudo, mas sem êxito. Aí o comandante, desconfiado, preparou uma armadilha. Foi à casa de Santo, numa madrugada velha, escura, passando-se por Corisco e pegou o dinheiro. Santo entregou o dinheiro, no escuro, pela janela, acreditando ser Corisco, o Diabo Louro das Caatingas. Santo foi enganado.
Sem demorar muitos dias, Corisco apareceu em Poço Redondo com o demônio no couro, encachaçado. Prendeu Ariston de Horácio e foi para a Fazenda Mandaçaia. Foi buscar o dinheiro que mandou pedir a Mané Brijinho. O Diabo Louro das Caatingas encontrou Santo trabalhando na roça, consertando uma cerca, nas proximidades da sede da Fazenda Mandaçaia.
E, aos gritos, já diz:
- Santo, fio do cabrunco, traga logo o dinheiro que mandei buscar do véio do Brijinho!
O pobre do Santo, homem trabalhador e honesto, tremia de medo. Estava em apuros. Estava sem entender. Há três dias já havia feito a entrega do dinheiro solicitado ao próprio Corisco. Nada disso. Santo foi enganado pelo chefe do destacamento, o sargento Ernani.
Santo tenta explicar. Diz que há uns três dias já havia entregado a Corisco o dinheiro. O Diabo Louro das Caatingas estava mesmo como o diabo em carne e osso naquele momento. Não quer ouvir nenhuma desculpa ou explicação daquele vaqueiro, honesto, sem maldade, justo e trabalhador, um santo chamado Santo. Um santo, justo e honesto, chamado Santo estava diante de um diabo, bandido e inescrupuloso, chamado de Diabo Louro, o Corisco.
Apenas um tiro de uma arma da Mauser, disparado impiedosamente por Corisco, matou, ali, sob o alpendre do telheiro da Fazenda Mandaçaia, um filho de Poço Redondo, o Santo de Caçula.
Dona Caçula de Santana ficou viúva naquele sertão desolado pela seca inclemente e pela violência dos cangaceiros e das volantes. Dez filhos para criar: Daniel, Manoel, Angelino, Pedro, Miguel, Rosalvo, Mariquinha, Celestina, Josefina e Maria. Todos de Caçula. Todos conhecidos com o "de Caçula". Todos com esse nome em homenagem à aquela mãe guerreira, que resistiu sendo mãe e pai para criar dez filhos sozinha, viúva da violência do Cangaço. Maria de Caçula, Manoel de Caçula... Todos os dez "de Caçula".
Manoel de Caçula, um dos filhos de Santo e Caçula, mora na cidade de Pedro Alexandre. Sempre que vou a Serra Negra eu o vejo lá. E pedi a licença e a compreensão do seu Manoel para publicar este texto, pois sei que ele não gosta de falar sobre esse assunto de cangaço.