A Bíblia na Universidade
Alguém disse que o cânone bíblico é a síntese de todos os gêneros literários. E é, de fato. Mutatis mutandis, todas as formas de expressão da condição humana na realidade estão presentes ali. As Sagradas Escrituras são, portanto, a fonte de inspiração que alimenta a busca do homem, ao longo dos séculos, pela linguagem, pelas fórmulas verbais precisas para exprimir as suas alegrias e angústias. A precisão de tais fórmulas, contudo, reflete as disposições do espírito do homem ocidental. Sua cultura, edificada sobre os fundamentos da religião judaica e, sobretudo, da religião cristã no período medieval, está, portanto, impregnada de elementos éticos e morais expressos primeiro naquelas fórmulas verbais presentes no Livro Sagrado. Daí a importância permanente dos estudos da Bíblia no âmbito da pesquisa histórica e, principalmente, literária do ocidente: ela sintetiza a dinâmica humana em todas as esferas de atuação possíveis e imagináveis. A Bíblia fora o livro que formou a consciência do ocidente.
Dito isto, é imprescindível os estudos sistemáticos do Cânone Sagrado no âmbito acadêmico não religioso. Digo não religioso, porque, no contexto religioso, os estudos das Escrituras seguem, tradicionalmente, um padrão de excelência só dispensado aos vocacionados ao sacerdócio ou à vida religiosa. Tal excelência, aliás, fora o fundamento que, no auge da civilização cristã, no medievo, lançou as bases para a criação das primeiras universidades na Europa. No entanto, fora do âmbito religioso, o interesse pelo Livro Sagrado foi, em função do tempo e do surgimento de correntes ideológicas antipáticas à fé cristã no espaço acadêmico, perdendo força. Esta antipatia, aliás, oriunda da universidade, impregnou-se nas esferas da cultura e da política, implicando numa mudança radical da cosmovisão do homem ocidental.
Contudo, a antipatia sistemática à cultura cristã na universidade não é justificativa para a exclusão, praticamente completa, dos estudos da literatura sagrada. Esta exclusão é, isto sim, um fator de alienação. Os elementos que compõem o ambiente acadêmico contemporâneo não podem renegar a herança intelectual que receberam dos cristãos sem uma auto alienação. Honestidade intelectual, responsabilidade, senso do dever e senso das proporções são alguns dos principais critérios da investigação acadêmica herdados dos medievais. Contudo, o principal deles, a busca pela verdade, sucumbiu vítima das conspirações ideológicas dos novos acadêmicos.
É dentro dos limites da pesquisa literária, portanto, que reside a importância máxima da manutenção da presença da Bíblia como tema nas grades curriculares dos cursos de Letras atualmente. A literatura é o registro das experiências humanas possíveis e imagináveis e o cânone bíblico é, por sua vez, a obra de literatura por excelência. Entender o desenvolvimento da literatura no ocidente, o surgimento dos diversos estilos literários, das novas escolas e correntes de pensamento nos limites da literatura, implica assimilar os temas apresentados nos diversos livros que compõem o Cânone Sagrado. Sem essa chave de interpretação da expressão da condição humana nas vicissitudes da realidade, é impossível observar com clareza os mecanismos responsáveis pelas mudanças culturais e psicológicas experimentadas pelos ocidentais ao longo de, pelo menos, dois mil anos de sua existência. É, portanto, desonesto não estudar a Bíblia na universidade e, mais do que isso, é perigoso submetê-la aos crivos sujos das interpretações ideológicas, pois eles recortam a literatura da realidade e forçam uma análise altamente subjetiva da condição humana, desumanizando-a.