GOTA a GOTA
“Meu nome é Gota e meu sobrenome é Água. Nome completo Gota d’Água”.
(Alberto Goldin)
Quem consegue ouvir a torneira pingando na pia, sucessivamente? Por muito tempo não tive resposta óbvia para essa pergunta, que seria: consertar a torneira gota a gota. Foi um erro clássico cometido por mim; as pessoas não ouvem a água pingar na pia a todo instante e nem percebem o barulho repetitivo e sucessivamente chato. Mais do que isso, gota a gota caem e emitem sons ensurdecedores, capazes de fecharem nossos horizontes; Sérgio Capparelli retrata, “Pios sem pios, / dizia pra Bia: Pingam na pia / Pencas de pingos! //... Pio, sem pios / Também se arrepia: / com os pingos da pia / E os pios da Bia”.
Há muitas alegrias na vida, o que inclui o silêncio para ouvir o próprio pensamento. Uma coisa leva à outra; ouvir o pingar d’água ininterrupto significa que nem todos têm a felicidade por ter sossego na vida. Que o maior aliado, para aguentar esse barulho, é o nosso controle; caso contrário, ficamos sem vontade, o que nos leva à inércia e, até mesmo, à loucura.
Sou obrigada a reconhecer, por fazer sentido, que línguas venenosas costumam fazer piadas quando me refiro negativamente à torneira gota a gota; o segredo para não perder o controle, com o barulho do pinga-pinga, está no poder da mente: fantasiar o prazer de não mais ouvir o gota a gota na pia; tal criação flui e dá vontade de gritar: estou livre para ser feliz.
Para os psicanalistas, “Todo sentimento é importante para manter o equilíbrio. Todo sentimento é bom. O resultado que ele produz é que pode ser ruim”. Rendo-me ao saber, pois, o mais estranho, é necessário desconectar a mente do barulho repetitivo do gota a gota, para se conectar com o próprio pensamento. O ser humano é em geral insatisfeito, porque está em busca constante para atingir metas. É questão de medida. Para (re)conhecer o que de fato dá sentido à vida é importante saber o que não queremos; como não ouvir o pinga-pinga da torneira na pia, feito diária tortura.
Acredito que quem faz escolhas encontra movimentos em suas vidas como chave para expor suas ideias; renovar a rotina, espalhar atitudes que fazem diferença em seus dias no cultivar pequenos prazeres e, ainda, respeitar seu perfil e sua verdadeira vontade. Como no livro Gota d’Água, da Série Arte para Criança, de Alberto Goldin, com ilustrações de Tomie Ottake. O livro é rico em arte que dialoga com o leitor, como se ele estivesse em universo mágico, onde a Gota d’Água representa a nossa existência.
Transformações são previstas por haver situações que, muitas vezes, fogem ao nosso controle, como demonstra Domingos Pelegrini, “O pinga-pinga da pia na noite / a calha a conferir gota por gota...”.