FRANZ KAFKA
Francisco de Paula Melo Aguiar
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto.
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve.
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza.
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
[CAEIRO, Alberto. In.: "O Guardador de Rebanhos – Poema XLIII" – Heterônimo de Fernando Pessoa].
O advogado e escritor Franz Kafka, nasceu em 3 de julho de 1883, em Praga, Boémia, pertencente ao Império Austro-Húngaro, pertencente a República Tcheca, filho de Hermann e Julie Kafka, e faleceu de insuficiência cardíaca, em 3 de junho de 1924, com apenas 40 anos de idade, em Klosterneuburg, na República Austríaca, que atualmente chama-se apenas Áustria. Assim sendo, ele nasceu em uma família judaica, portanto professava a religião do judaísmo.
Em 1915 Kafka foi convocado para prestar o serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial, porém, seus patrões conseguiram o adiamento porque consideravam seu trabalho essencial ao governo, tempos depois até que tentou ingressar no exército sendo preterido porque tinha problemas de saúde relacionados a tuberculose [MAX, 1960], diagnosticado assim em 1917, segundo Corngold [2011] e tendo em vista que na época não existia cura para a tuberculose foi aposentado e viveu internado em sanatórios até morrer [STEINHAUER, 1983].
Durante sua vida material e intelectual pertenceu ao movimento literário conhecido por modernismo e também do existencialismo, portanto, precursor do realismo mágico e ou realismo fantástico e ou maravilhoso, onde o leitor é surpreendido em virtude de apresentar o imaginário e ou o que chamamos de inusitado como se fosse um elemento normal do cotidiano e ou do dia-a-dia, quando na realidade não o é, quando na realidade a finalidade de tal elemento inusitado é justamente a de melhor expressar as emoções a partir da atitude especifica frente e ou diante a realidade existencial.
O pensador Franz Kafka escreveu em 1912 e publicou em 1915 a novela [conto]: A Metamorfose, considerada até o presente momento como o “Magnum opus” e ou seja como sua grande obra, a melhor e ou a mais popular obra dentre seus escritos. É importante mencionar de que o enredo descrito menciona Gregor Samsa, caixeira viajante, que abandona as suas próprias vontades e desejos peculiares para sustentar a família e pagar a divida dos pais e que numa certa manhã se acorda metamorfoseado num monstruoso inseto, uma vez que:
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. [KAFKA, 1997].
As metáforas usadas por ele em A Metamorfose denunciam as violações dos direitos humanos envolvendo os indivíduos em todo tempo e lugar, algo inerente aos excluídos de ontem, de hoje e de sempre, onde a personalidade humana é subtraída, negada e diferenciada, gente sem autonomia e muito menos sem autodeterminação. Por analogia e dentro desta visão o individuo é furtado de sua própria dignidade como pessoa humana, vive no mundo, cheio de gente, porém não é visto pela sociedade, vive só e isolado, distanciado, algo parecido com os dias atuais da pandemia que obriga isolamento social envolvendo todas as classes sociais: ricos, pobres, sem nada e os miseráveis, bem no estilo Kafkiano que é justamente:
O que chamamos de isolamento na esfera política é chamado de solidão na esfera dos contatos sociais. Isolamento e solidão não são a mesma coisa. Posso estar isolado – isto é, numa situação em que não posso agir porque não há ninguém para agir comigo – sem que esteja solitário – isto é, numa situação em que, como pessoa, me sinto completamente abandonado por toda companhia humana – sem estar isolado. [ARENDT, 2007].
O inseto criado por Kafka é uma figura metafórica de linguagem que reflete a intolerância e a quebra dos padrões da forma (des)humana que provoca movimento que leva a mudança não só na fala quanto na forma incomoda que ela ocasiona, o que não deixa de ser uma característica física e representativa da sobreposição exterior em relação ao interior dos indivíduos. A narrativa textual de A Metamorfose fala sobre a família que vivia com relações afetuosas com o personagem Gregor Samsa, em razão da comodidade financeira proporcionada pelo mesmo a sua família, quando ocorre a sua transfiguração exterior física corporal, motivo mais que suficiente para que todos os seus familiares tivessem razão para transformar o afeto até então para com o mesmo em vergonha e em pena e porque não dizer em raiva, e isso é detectado quando sua irmã caçula chega ao extremo em dizer que:
Ele tem que ir embora! – gritou a irmã. – É o único jeito, pai. O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor. Acreditar nisso, durante tanto tempo, tem sido a nossa desgraça. Como pode ser Gregor? Se fosse, há muito tempo teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria” [KAFKA, 2001, p. 70-71].
A estória por ele narrada depõe contra o sagrado principio da dignidade humana preconizado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU desde 1948, ex-vi o artigo 1º, onde: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”, que tal principio é defendido pelas modernas constituições dos países civilizados e não autoritários.
Kafka escreveu também os romances: O Desaparecido, em 1912 e publicado em 1927; O Processo, em 1914 e publicado em 1925; e O Castelo, em 1922 e publicado em 1926.
Também escreveu os contos: Na Colônia Penal, em 1914 e publicou em 1919; Um Médico Rural, de 1919 e publicado naquele ano; Um Artista da Fome, de 1922; e A Grande Muralha da China, em 1918 e publicado em 1931.
A obra de Frank Kafka influenciou e continua a influenciar a intelectualidade mundial a escrever: contos; filmes; músicas; peças teatrais; vodeogames; óperas; livros; peças de rádio; romances; livros; danças; cultural digital; jogos, etc, essa é a leitura que se faz diante dos escritos e publicações diversas, dentre as quais: A Friend of Kafka, um conto polonês vencedor do Prêmio Nobel, do ano de 1962, onde Isaac Bashevis Singer, conta a história do autor Jacques Kohn, que afirma ter conhecido Franz Kafra que acreditava em golem, criatura lendária da cultura judaica; Watermelon Man, filme USA, de 1970, inspirado na obra A Metamorfose, que conta a história de um segregacionista branco que via dormir e acorda negro.
O individuo vive diante de amarras duras e de dificuldades diante das exigências dos nobres sentimentos, a exemplo do amor ao próximo, da tolerância ao ser diferente e do respeito aquilo que é essencial, ainda que por analogia ao pensamento de respeito ao invisível aos olhos de Antoine de Saint –Exupéry (2009).
Cada ser humano vive diante das realidades: social, psíquica e morfológica, é um direito inalienável e individual desde que o mundo é mundo, embora que todo esse processo de mudança se passe invisível assim como os moradores de ruas das grandes e pequenas cidades do mundo do século XXI.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo e Totalitarismo. [Trad. Roberto Raposo]. 8ª ed, São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BROD, Max. Franz Kafka: A Biography. Nova Iorque: Schocken Books. 1960. ISBN 978-0-8052-0047-8
CORNGOLD. Stanley. Kafkas Spätstil/Kafka's Late Style: Introduction». Madison, Wisconsin. Monatshefte. 2011.
FRANZ, Kafka. A metamorfose. 14ª ed.[Tradução de Modesto Carone]. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; 2001.
_____________. A metamorfose. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro, Editora Agir, 2009. [Aquarelas do autor. 48ª edição / 49ª reimpressão. Tradução por Dom Marcos Barbosa. 93 páginas].
STEINHAUER. Harry. Franz Kafka: A World Built on a Lie». Yellow Springs, Ohio. The Antioch Review. 1983.