O Anti-herói e sua força narrativa
Apesar de não ser invenção contemporânea, a cultura pop trouxe o anti-herói para a crista da onda (e para dentro de nossos corações). E não à toa: é um tipo de personagem com uma força narrativa e tanto.
Segue uma breve reflexão sobre como o anti-herói ajuda um escritor café com leite a pensar nos elementos que tornam as narrativas não apenas interessantes, mas apaixonantes.
DEFINIÇÃO: O QUE FAZ UM ANTI-HERÓI
Talvez o jeito mais simples de definir um anti-herói é remetendo à máxima maquiavélica de que:
os fins justificam os meios.
Afinal, o caminho adotado por um anti-herói é fundamentalmente imoral, contrário às convenções sociais, mas que lá na frente, no propósito final, bem, são justificáveis (ou ao menos compreensíveis).
Num exemplo dramático mas ilustrativo: o pai de família desempregado que, no auge do seu desespero para alimentar a família, se torna um sujeito ardiloso que aplica golpes.
E é justamente aqui (nos fins justificando os meios) que a coisa começa a ficar bem interessante em termos narrativos.
TRÊS VIVAS À COMPLEXIDADE!
Qualquer manual básico de criação literária vai nos dizer que bons personagens são complexos. Mais do que complexos, precisam ter aquela marca tipicamente humana, que é a contradição.
Se um personagem não é complexo, não tem contradições, torna-se plano, reto, e, portanto, bastante desinteressante.
E honrar a complexidade e contradição, frise-se, não é mera convenção literária: é refletir a própria experiência humana, e, logo, um critério de verossimilhança.
E adivinha só quem é que é essencialmente complexo e contraditório e às vezes até mesmo paradoxal?
O anti-herói!
No seu dilema de desejar um fim justo, mas usando de meios imorais, o anti-herói sintetiza muito dos dilemas que nós todos já enfrentamos.
Com diferenças de grau e contexto, é claro, mas os dilemas estão essencialmente lá.
Ou você nunca sentiu o comichão de adotar um 'atalho' duvidoso para chegar a um lugar que seria indiscutivelmente correto?
Evidentemente, esse dilema meios x fins abre possibilidades narrativas paralelas incríveis.
Se bem explorado, o anti-herói pode adquirir a força de experiências humanas bem mais profundas, como o de uma rebeldia incompreendida ou de uma solidão inevitável.
Se bem explorado, o anti-herói pode refletir lugares de fala bastante densos, como dos excluídos ou dos subjugados.
Se bem explorado, o anti-herói pode conquistar a nossa compaixão, talvez até mesmo nossa empatia - "se eu estivesse no seu lugar, faria o mesmo".
Voltando ao exemplo lá de cima, do pai de família que se torna um golpista: e se ele fosse um sujeito de espírito contestador, talvez até revolucionário? e se ele representasse toda uma classe social desfavorecida por um sistema social desigual?
Mano, a viagem é longa e pode ir por diversos caminhos.
HUMANO, DEMASIADAMENTE HUMANO
Acredito que essa é uma primeira lição bastante útil, apesar de modesta, sobre o uso de anti-heróis na escrita literária:
personagens com motivações nobres, mas ações imorais, são mecanismos narrativos ricos que podem conferir à narrativa, dentre outras coisas, complexidade e sensação de empatia.
O anti em frente ao herói é um fator bastante humanizante. E algo tão necessário - e versátil - que se não servir para a construção completa de um personagem, deve, pelo menos, ser considerado quando se faz o perfil do personagem - algo como reservar para ele uma cota de imoralidade bem intencionada.
Definitivamente, o anti-herói deve ficar no radar de um escritor em formação!
(mais em escritorcafecomleite.wordpress.com)