Análise do romance “Memórias de um Sargento de milícias” de, Manoel Antônio de Almeida.
Por: Bognar Ronay
Palavras chave: Índio. Religião. Burguesia. Romantismo.
A primeira fase do Romantismo no Brasil que também podemos classificá-la como embrionária teve iconizada à figura de Gonçalves Dias, o primeiro poeta a tecer argumentos mais aproximados dessa fase romântica. Ele é quem consolida o Romantismo brasileiro postulando contribuições significativas a seus precursores (CÂNDIDO, 1981, p. 71). Nossa terra não possuía uma cultura literária independente, portanto a formação dos nossos poetas era totalmente internacional e aqui no Brasil praticamente não tínhamos intelectuais suficientes para a expansão de uma cultura literária nacionalista. Por esse motivo nossas obras estavam formatadas num molde europeu.
Gonçalves Dias acentua a busca pela beleza natural valorizando o homem da terra, apropria-se do belo indiano, ele não irá minuciar a descrição do indígena, mas dará um enfoque geral, de forma que este índio não se diferenciará dos demais, esse índio irá aparecer como objeto de louvor a ser cantado. Analisando essa situação, Coutinho (2002, p. 15) afirma que após a Independência, a busca de uma identidade nacionalista foi acentuada descrevendo sua fauna e flora. O sentido heróico da vida estará presente nessas personagens. Dentre essa, outras características como: o culto a natureza, a idealização da mulher como objeto intocável, a fé numa divindade, diversas fugas no tempo, no espaço e até mesmo na morte. O Romantismo não se restringiu somente às características acima citadas, mostramos essas, para termos um panorama do que foi esse período.
A obra selecionada para esta análise que intitula este trabalho foi arquitetada por Manoel Antônio de Almeida, embora produzida no Romantismo ela rompe drasticamente com os padrões estabelecidos pela época e faz uma espécie de sátira ao elevar figuras não costumeiras a postos não sugeridos pela configuração daquele momento. Por causa dessas peculiriedades alguns críticos argumentam que a obra “Memórias de um Sargento de Milícias” não é uma produção romântica, embora tenha sido escrito em pleno romantismo, suas tendências aproximam-se mais do realismo que teve a figura do grande inusitado ícone da Literatura brasileira, Machado de Assis.
Dessa forma, essa obra representa quase um período de transição que iria ser demarcado somente a mais de seis décadas depois. Manoel Antônio de Almeida faz uma inversão de papeis dando ênfase a personagens que jamais receberiam destaque no Romantismo, com essa sábia articulação, esse romance entra para a história como um dos clássicos da nossa Literatura.
Vejamos como Almeida profere esta mirabolante construção de forma humorística e coloquial, as características do Romantismo, e as atribui significados totalmente diferentes. Para nosso corpus, vamos nos ater a três características dessa escola literária que são: o índio cultivado como herói, a história da burguesia e a religião. Como já dissemos, Almeida transgride os valores dotados para a construção da época e injeta em forma de ironia os seus valores.
O índio era o padrão de heroísmo a ser cantado já que o negro estava impossibilitado de receber esse elevo, pois a escravidão retirou deles esse privilégio, e é na pessoa dos indígenas que os poetas irão se refugiarem para projetar o herói da terra. No romance em análise, o primeiro rompimento é a escolha de um “malandro” (como se diz no Rio de Janeiro) para ser o herói, desde cedo suas características negativas eram marcantes conforme Manoel Antônio de Almeida o descreve:
Logo que pôde andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado Leonardo; se este o deixara por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede e acabava por varrer com ele a casa; até que a Maria exasperada pelo que aquilo lhe havia custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz (ALMEIDA, 2007, p. 10 – 11).
Como percebemos Leonardo ainda criança, e já mostrava grandes indícios problemáticos, e à medida que o garoto crescia, com ele também as travessuras se multiplicavam. Esse padrão não era o idealizado para a construção de um herói, Almeida de refugia nessa personalidade projetando uma grande lacuna no padrão da época.
Neste período, o Brasil passava por uma transição, pois a nova burguesia que estava em ascensão não havia alcançado o nível de posição. O romance surge para contar a história dessa burguesia, Manoel Antônio de Almeida no romance “Memórias de um sargento de milícias” se abre em fuga e cultua uma sociedade do baixo escalão, a linguagem coloquial, a quebra de linearidade no enredo, a sátira para com a religião adicionado a metalinguagem bem representam uma sociedade confusa e problemática na obra. Esta citação parece-nos um pouco longa, porém pertinente para o assunto em questão conforme diz Almeida:
A comadre, apenas ouviu isso, foi procurar o compadre; não se pense, porém, que a levara a isso outro interesse que não fosse a curiosidade, queria saber o caso co todos os menores detalhes; isso lhe dava longa matéria para a conversa na igreja, [...] Começou então um interrogatório minucioso acerca do que tinha sucedido em casa do Leonardo; e os dois, compadre e comadre, desabafaram a seu gosto. Depois o compadre narrou, mesmo sem ser interrogado, todas as gentilezas do afilhado, e contou suas intenções a respeito dele. A comadre não concordou com elas (o que nada agradou ao compadre), não via o menino com jeito para padre; achavam melhor metê-lo na Conceição a aprender um ofício (ALMEIDA, 2007, p. 29).
Essas características presentes no romance moldam mais ao padrão de “briga de vizinho” discussões banais e desnecessárias. Dessa forma, o autor tece o fio narrativo em volto em torno de uma sociedade de padrão não conceituado para o Romantismo constituindo assim uma antítese entre os padrões românticos e os construídos nesse romance.
O culto a um Deus supremo, uma Divindade, o romantismo se ateve em cantar esses elementos celestes. Analisando essa questão, Citelli (2007, p. 77) afirma que nessa escola literária, em sua atitude fortemente ilogista, tendeu, em diversos casos, a abraçar a ideia da religiosidade, mais particularmente a de Deus. É comum o chamamento ao infinito, ao céu, aos anjos e a Deus. Essas características se estendem pela esteira romântica e é reproduzida em quase sua totalidade por todos os poetas românticos. Manoel entretêm o leitor de forma humorística e irônica construindo uma ponte entre os aspectos religiosos e os profanos, e de certa forma ele brinca com o que se considerava. Ao descrever a intelectualidade do mestre-de-cerimônias percebemos que a intenção é de construir a imagem de um “Santo Diabinho” como vemos:
O mestre-de-cerimônias era um padre de meia-idade, de figura menos má, filho da Ilha Terceira, porém que se dava por puro alfacinha: tinha-se formado em Coimbra; por fora era um completo São Francisco de austeridade católica, por dentro refinado Sardanápalo, que podia por si só fornecer a Bocage assunto para um poema inteiro; era pregador que buscava sempre por assunto a honestidade e a pureza corporal em todo o sentido; porém interiormente era sensual como um sectário de Mafoma (ALMEIDA, 2007, p. 49).
Essa visão depravada é que Almeida representa no poema, e a referência a Bocage um dos mais irreverentes “pornográficos” poetas da Literatura Portuguesa que jamais serviria de modelo para ser um Padre. Dessa maneira o loca sagrado, a igreja, está sempre relacionado com trapaças, fuxicos, brigas e uma série de situações que ironiza a crença.
Essa obra representa os valores românticos de forma ironizada. A própria metalinguagem adquire valor de fuxico, como se o narrador chamasse o leitor a parte e em meio tom de voz lhe desse ciência do momento, situando-o dentro romance. A construção de um final feliz quando Leonardo casa-se com Maria Regalada, foge dos padrões românticos. Em fim, são muitos os desvios que poderíamos destacar que expressam a ironia ao Romantismo dentro dessa obra, mas isto já seria assunto para outra análise, porque essa não dará conta de descrever todos os aspectos.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Manoel Antonio de, Memórias de um sargento de milícias – São Paulo, SP: Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda., 2007.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1988.
CÂNDIDO, Antônio. A Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 2 vol. 1 ed. Belo Horizonte: ed. Itatiaia, 1981.
COUTINHO, Afrânio. (dir.). A literatura no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: RJ: Global, 1999.
CITELLI, Adilson, Romantismo – São Paulo, SP: Ática. 4 ed 2007.
JOCA, Maria do Socorro Gomes Torres, Aulas expositivas: turma XVII – 2 semestre 2010.