CHUTAR O BALDE

“Uma noite longa / para uma vida curta” (Herbert Vianna)

Sinto vontade de chutar o balde quando olho para o mundo e noto que ele precisa de arrumação, de retirar a desonestidade do dia nos interesses particulares e os substituir por gestos, palavras e atitudes éticas. Trocar o exibicionismo e as ambições por produções, criatividade e argumentos que façam sentido para todos, de forma que mereçam ser lembrados.

Quando olho em volta esta vontade vem com força, para jogar as coisas ruins, maldosas, mentirosas e inúteis fora. Com coragem, abro a porta e deixo o vento entrar para repensar a minha opção e sentir a vida de maneira diferente. Assim, posso respirar novos ares. Em Davi de Medeiros Leite, “... um maravilhamento / arrebata meu juízo despertado: / um par de asas transforma o mundo!”.

Quando percebo que nada disto é possível, fico desiludida com a não mudança e, logo, penso em chutar o balde; jogar tudo para o alto e deixar cair sem me preocupar em articular ou discordar, sem medo de me opor ao irracional que permeia boa parte do mundo atual.

Chutar o balde é acabar com o encantamento da conquista; desistir de olhar em frente e passar a ouvir o eco ressecado da própria voz. Davi Leite questiona, “Por que / nos marcam a ferro e fogo?// De onde / a ânsia / de nos fazer propriedades?...”.

Por quanto tempo conseguirei esperar pela verdade, sem que dispare o gatilho e chute o balde? Refiro-me a consciência nas regras de viver e na complexidade para cumprir as leis que regem os sentidos. Algum dia aprenderemos que podemos mudar de ideia sem ultrapassar as normas por nós mesmo criadas? Ou simplesmente comprovamos que cada um atende aos seus interesses e aos amigos poderemos elastecer as leis? Sendo assim, tenho boas razões para querer chutar o balde, já que nada mais estimula a minha perspectiva de viver. Nas palavras de Márcio Almeida, “... o que nunca soubemos existir em nós agora nos será irremediavelmente revelado, porque não haverá mais nada nem ninguém para saber ouvir o que somos quando temos de nos revelar...”.

Sinto tristeza e decepção quando o mundo retrocede ao tapar o sol com a peneira e transformar as falcatruas em paradigmas. Sim, encontro beleza no viver chutando o balde, como atitude para me encorajar a transmitir credibilidade aos responsáveis, para que reconheçam os fracassos e saibam das minhas forças para continuar tentando arrumar a bagunça no mundo. Então, a decisão é minha como proteção contra o mal. Márcio Almeida reflete, “... Por enquanto é isso: a angústia da sublimação tétrica de um blefe amarelo que a imprensa apura para não ver o mundo no vermelho”.

Poder é querer, querer é realizar. Chutar o balde se faz necessário para atingir a liberdade. Senti-me assim em outras épocas, onde a vida deu voltas e revirou meu convívio por acatar as ordens sem discussão. Hoje desfruto do viver sem medo, com qualidade e tranquilidade, com ética e moral, por acreditar na responsabilidade da minha escolha: chuto o balde como gesto de insatisfação, consciente para encontrar algo melhor e reverter situações para ajustar o cotidiano. Nei Lopes compôs Chutando o Balde: “Chutar o balde / É quando a gente / Está cansada de fazer / Realizar e acontecer / contra a corrente // Mas pra chutar / Tem que saber / Onde é que o balde / Vai bater...”.