OS MISERÁVEIS E A INFELIZ FANTINE
Tendo sido Victor Hugo um dos mais importantes escritores do século XIX, é compreensível que algumas de suas obras tenham alcançado o público em todas as partes do planeta. Desse modo, Os Miseráveis é, não somente um clássico popular, mas talvez uma das obras mais importantes já publicada nos últimos séculos, pois além de uma abordagem da pobreza sem igual, o livro leva o leitor a repensar pontos da sua vida em cada personagem lido. É com todo carinho que falo como Fantine, o primeiro livro dessa literatura fantástica, foi também uma das melhores personagens que já pude apreciar.
O caráter do livro é romântico. Victor Hugo foi pertencente ao romantismo e sempre deixou claro os seus ideais literários e políticos. Porém era inimaginável que Fantine, igual a tantas outras mulheres da ralé, poderia chamar tanta atenção.O nome dela era esse já mencionado e sobre ela ninguém sabia qualquer informação, apenas o nome. Uma mulher de natureza desconhecida e que, no decorrer da história, tornou-se mãe solteira, pois o companheiro aproveitava apenas o fervor de uma aventura, para depois ir embora para outros afazeres "mais formais".
Como eu já fiz questão de apresentá-la, seguirei contando um pouco das impressões que pude ter junto ao folhear das páginas. Uma história comum em todos os cantos: uma mãe solteira. Ora, uma mulher com filho de pai desconhecido e que não passa de uma desonrada do século XIX, que já não tendo nada para contar sobre si, não terá nada além de angústias e sofrimentos para o futuro. Pois sim, ainda sendo de uma fase romântica, Victor Hugo não pulava da realidade para idealizar um mundo perfeito. Era Fantine uma mulher desprezada, comum e que foi tentar a vida para que pudesse ao menos fazer a única coisa que lhe restara: Dá a criança, além de amor, as condições de sobreviver.
Diga-me que futuro poderia uma mulher com uma criança nos braços desejar? Aí é onde se encaixa a Fantine que deixou a pequena Cosette sobre os cuidados de um casal que odiaremos juntos (Thernadier) sob o pagamento dos custos da filha, a única coisa viva que lhe dava alegria. No entanto, é previsível e ao mesmo tempo impressionante saber que Fantine gastou tudo o que pôde, 6,12,100 francos, acreditando que seu esforço garantia uma vida decente para a filha, sendo, no fim, apenas enganada.
Diante de tal cenário, Cosette era empregada da família que a criava enquanto a mãe dava tudo de si para um dia poder voltar a vê-la forte e feliz. Desde os 5 anos trabalhava, era frágil, chacota das filhas verdadeiras dos Thernadier e magra. O retrato da tristeza desse breve relato se é incompreensível para quem não tem empatia por uma personagem que está presente em nossas vidas. Tantas Cosettes sem grandes oportunidades, que fazem até o que não deviam por um prato de comida e um teto. Tantas Fantines que vendem o corpo e entregam a alma para que possam ver um mísero de decência em suas crias.
Chega a ser mais desorientador e forte imaginar que Fantine além de vender os cabelos e dentes, ainda perdeu seu emprego por ser mãe solteira e não carregar a tão importante e ilustre honra pedida no século XIX, e, ainda, motivo de submissão das mulheres no século XXI. Tão tragicamente, além de enganada, sugada e miserável, era Fantine julgada por dar a vida. Vida essa que tantos prezam para que exista, mas que poucos se importam depois que já está posta.
Contudo, em um meio tão doloroso, a má sorte pôs "mister Madelaine", um ex-forçado e que outrora foi humilhado e mal-julgado, na vida da desafortunada mulher a quem tanto me referi. É nessa parte crucial da obra, do primeiro livro do tesouro "Os miseráveis", que vemos o tom idealista a que atribuem o romantismo. Uma mão para ajudar uma pobre mulher que não tinha apoio de um rato. A única inconclusão é o fato de que a maioria das Fantines são sozinhas por elas mesmas, pois Madeleine, tristemente, só existe no mundo de Victor Hugo.
Com esse desatino final, não posso me aprofundar em todo o drama a que pertence a obra. Mas é concluso que a miserabilidade de Fantine, a "pobre rapariga" do livro, está ao nosso redor. Vale ainda o adendo, é a maior de todas as verdades, a que se encontra no prefácio do livro citado: "Enquanto existir a degradação do homem pela pobreza... Não será de total inútil livros que abordem essa natureza". - Houville House, 1862. É assim, que finalizo e prontifico a quem quiser a leitura completa do melhor, em minha concepção, livro desta natureza.