IMPOTÊNCIA E A RECEITA POSSÍVEL
"Nossa enfermidade é a palavra, estamos alugados a ela, temos deixado de ser homens para nos converter em metáforas.
Efraim Medina Reyes, in: "Técnicas de masturbação entre Batman e Robin", ed. Planeta do Brasil.
Com os seus fetiches, o Incriado do Absoluto acredita poder corrigir os defeitos do mundo. Pois bem: a tal de Poética é tudo aquilo que criamos para solver essas anomalias e atingir um estado favorável à felicidade. É um todo inconfessável que se pretende plausível, veraz, apesar de frutificado na farsa, na inventiva, na fantasia, na idealização que nos permite a consecução dos sonhos travestidos de coragem para enfrentar as injustiças sociais ainda no plano terreno. Com essa dama estética, corrigimos o que nos parece mal posto. Aliados a ela cremos poder vencer a impotência, e por ela, estranhamente, sonhamos com a imortalidade materializada no legado literário. Há, no escritor, mormente nos poetas, um estado de pureza e inocência na farsa do viver. Depois do poema alçar voo, é aconselhável, no mínimo, uma noite de permeio, de modo a que se possa esperar os efeitos nas criaturas e nos bens de criação. Até que a notícia, pela boca dos outros, venha nos informar de que tudo permanece com está, mesmo que acreditemos que algo nos fez prontos para a diferença entre o estranhamento e a imanente verdade. Por certo, quase todos acreditam que a natureza e suas calamidades, além de seus efeitos bastardos, também pode ser útil para lavar a alma das larvas que temos dentro de nós como afirmação de que há muito após a passagem. A morte não pode ser a última porta a se fechar. Porque é a palavra a corporificação de nossas humanas verdades. Há muito a se observar depois do ponto final.
– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2017/19.
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