A DÚVIDA

A rigor, nós somos inteiramente verazes enquanto pejados de materialidade corpórea, pois ocupamos espaço no universo. O amor e a verdade são confluências de nós, mesmo que somente obtenham vida quando a plenitude fecha os olhos e dormita. Tudo que é incisivo, forte e capaz de socavar o outro, entranhar por baixo, acaba sendo instrumento de opressão. E o conciliar não é regra no amar, devido à possessão que anima os amantes, e ao mesmo tempo crava os dentes no ego ferido e assim o transmutamos na direção do desejado objeto. No entanto, cegos a este entorno hostil, desejamos a conciliação, desde que nos seja favorável no todo ou em parte. E somente essa pode vir a conduzir à posse concedida. Teimamos em não aceitar que o amar é ação e tomada de corpo conciliada. Afinal, somos sempre o “não” ao sofrimento, a negativa à dor fruída como replique ou retorno. Só as perdas induzem à possibilidade de conciliação. O pensamento afetivo está assente e consciente destes princípios, tanto é que se duvida da existência do Amar, segundo o que facilmente nos apercebemos pelo que está sendo exposto na contemporaneidade, ou seja, no decorrer dos dias. Talvez sejam as pragas da incerteza e a da insegurança. Só a certeza da Finitude soa como insofismável verdade. Ela sempre terá a última palavra.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/19.

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6769797