O APRENDIZ E O OFÍCIO DE POETAR

Se quiseres crescer, trata de cuidar de quem escolhes para ser teu amigo. As verdadeiras amizades alavancam a gente, propiciam oportunidades. Se queres melhorar como poeta, escolhe teus mestres com paciência e atenção, mas sempre tenhas um territorialmente perto de ti, de modo a que ele possa ser a tábua de salvação, na difícil hora das perdas emocionais. Quem escreve, inapelavelmente, tem uma vida de muitas mortes. O amigo próximo te será útil na escolha dos caminhos pertinentes à vida; não só para o fazimento do poema, e sim na tua cabeça, na tua psique, porque o bom poema nasce de dentro para fora, mesmo que, por tua inicial maturidade de enfrentar o mundo através da clava poética, entendas exatamente o contrário. Há iniciantes que se sentem iniciados, imaginam-se donos do cadinho da obra-prima. Para os observadores conscienciosos, em regra, o processo do criar em Poesia parece provir de fatos que ocorrem em nosso entorno, fora de nosso corpo, vale dizer, externamente. Mas não me parece ser correto este prisma, esta ótica individualizada. Ainda que a vertente subjacente ao poema seja a vivência do momento e situações, coisas e fatos que lhe estão atrelados. Enfim, aquilo que se faz externo à psique, portanto exógino. O que efetivamente se instala e permite a transfiguração da matéria da vida é esse vivenciar em ações, atos e correlatos que permitam a procriação de ideias que propiciem a composição do poema nascido dentro, íntimo e confessional – a novidade verbal em roupagem peculiar – fruto de sementeiras fora de teu organismo, mas, ao mesmo tempo tão piedosamente ausente de ti próprio que não venha a excluir o poeta-leitor devido à tua possessão. A presença da emanação espiritual parece exigir que haja raízes fora do corpo: silhuetas e sombras. O teu mestre de ocasião vai ser sempre o provocador, a tua antítese, a oposição ao que pensas. É deste embate de ideias que exsurge a Poética, a flor com gosto de sangue. Por isso o poema com Poesia é uma peça extenuada, complexa, contemplativa, exangue, esvaída em artérias e veias, ao pousar no mundo externo, na sua primeira tentativa de respiração. Quando a espontaneidade ou a inspiração te ocupa e toma o ego e o alter ego por inteiro, está à busca de vida dentro de ti, que, destarte, não é o teu viver propriamente dito. A vida (que está nascendo com novos valores sugestionais) se está a frutificar pela introjeção ao Mistério – aquilo que está fora de mim e de ti – porém és tu que lhe dás a vida e as benesses estéticas para o devir de ser momentaneamente feliz. Tu e o teu parceiro, também de ocasião, o absorto e exigente leitor. O poema, afinal, não é teu: és somente o tubo acústico que lhe dá vez e voz. E, por incrível que pareça, quem inaugura o mundo pela Poesia é o poeta-leitor, o teu semelhante necessitado de paz, força e palavra, que sendo um desterrado em busca da Poesia, também inaugura em teu ser a similar sensação de ser feliz, aquela que já estava em ti pela voz do Absoluto. É muito necessário abrir o coração e rastrear o amigo eleito. Em o achando, saberás mais de ti próprio. É isto o que nos ensina o Mistério. Mas ele também está no plano fático, não só no idealístico traduzido pela fortaleza da palavra assentada no sofrimento, que se acachapa sobre o teu espiritual e a consequente condenação ao pensar. Porque o Mal, identicamente, traz a pulsão da vida que, como efeito do vai-e-volta, nos impulsiona ao Bem pelo exercício do amar. É importante ficar hígido, depois que o poema vem ao mundo com sua carga de misérias. Procura o teu guru local e pede a ele o mesmo tratamento que teria para com os iniciados. Nesta hora de egrégora, o céu chora e molha as flores nos campos. E o mar calmo, no litoral, se acresce aos poucos do elemento água, que o faz crescer, apascentando o grande ninho de vida animal. E o poema amadurece sua ideologia no mesmo cadinho de maturação. E zarpa de seu continente. Com o liberto conteúdo, sem nenhuma limitação ou controle sobre seu itinerário e o dia seguinte.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 03; 2015/19.

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6760669