CÓDIGOS DE LINGUAGEM

“Me desculpa, amigo JM, mas não compreendo o que queres dizer com: “Então só resta esperar que os níqueis alforriem o poema...”. JPS, de Viana, Angola, aos 17/09/2019.

Resta mais do que apenas materialidade, poetamigo. Procura ler muito, estuda, pesquisa e acolhe a aprendizagem em tua mente e coração. Aproveitei para apresentar, descontraidamente, e com muito apreço, um texto numa linguagem diferente daquela a que estamos acostumados, não aberta ou derramada em seus conceitos e proposta, e, sim, pouco entendível ou incompreensível à primeira leitura, porque conjunto verbal no qual prevalece a codificação verbal em que a Poesia se diz presente. O que se tem de realçar, com o propósito de entendimento e compreensão, é que a linguagem poética não é a costumeira falação do dia a dia e sim aquilo que por destinação e gozo, é sempre singela e humildemente incomum. Porque é neste jargão de palavras que se identifica a Poética. Nunca naquela do “beija-beija”, do “come-come” atrás da porta, a tal que, despudorada e comumente, é cantada repetidamente num rap ou num hip hop, transmutando as palavras-chave para a abrir a festa à imitação do black tie, como tal fosse o must ou o plus – tão ao gosto da contemporaneidade quanto à forma e formato, especialmente entre os jovens. Quando a Poética aparece como linguagem, estaremos sempre frente ao novo, porque não se trata de uma linguagem direta, aberta, entendível de pronto, se torna necessário decifrar aquilo que é a arte do dizer poético: sempre haverá algo que está por detrás da palavra, do signo verbal, que é o inusitado código da vida, o saber invulgar nunca repetido, porque é leite ou queijo com frescor de primaveras. E repito aqui, na intenção de dialogar e explicitar: resta-nos esperar que os níqueis (entenda-se vinténs, réis, cobres, como se dizia aqui no Brasil antigo), conforme a minha versão para o assunto e atendendo ao teu questionamento, esta quantia de moeda possa adquirir créditos para carregar o fone celular, e, consequentemente, alforriando a Poética para o gozo de tecnológica cotidianidade do aqui, lá, acolá, no mundo conectado. Ali, no aparelho, em sua telinha, poderá se ter escafedido o poema, e este, pela bondade volátil de um áudio, voejará no olfato do receptor tal um perfume francês de inconfundível buquê. O poema (com Poesia) necessita estar prenhe de ritmos, sabores, de nuanças, prenhe de diáfanos cheiros altissonantes, que se pronunciam para muito além do que é palpável, tangível. Sem a dita codificação de linguagem, vale dizer, sem a metáfora– a palavra em seu vestido de festa – enfiada que nem piolho em costura, não há como se caracterizar o pensamento e chegar à Poesia, porque o poema é o terreiro sujo do pátio da casa ou o rastro dos pés, após a chuva acontecida na ruazinha de bairro ou aldeia, onde se escondeu para sempre a infância. Singelo como o clicar de uma bolinha de gude nos jogos ingênuos e/ou pueris da adolescência, ou os botões de plástico fundido, que é como que se faziam em casa os times para os torneios de jogos em que dávamos vida ao clube de nossa predileção em longas partidas de jogo de botão. Porque tudo que é belo – velho ou infante – tem sua genuína e peculiar confecção e linguagem. É fundamentalmente para este efeito de encantamento que nasceram, nascem e nascerão os universos das figuras de linguagem. E este todo de fantasia para compor o desafio e o fetiche do momento, tudo para a devida utilização para compor as alegorias com que se traveste a vida em Poesia: um olho no criado e o outro grudado no criador.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/19.

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6753244