A BELDADE ESTÉTICA

A Poesia é feita para dizer, encantar, comover, através de sua forma e formato, pela constatação de um exemplar único, o poema, que é a sua materialidade contemporânea. Neste, a palavra nunca é nascida para a vertente rarefeita de conhecimentos. A flor deste poço é a Beleza, donzela das mais requintadas, que tem o prestígio de, entre os doutos e os academistas, vir a ser solenizada como Estética. E é flor do tempo, porque demorada em sua maturação reflexiva. Essa é uma das divas dos bailarecos em que a Poética também se mete, porque ela quer estar entre todas as pessoas, não importando sua condição social. Aos proletários, ela fala à conta da aguardente, literalmente a “água que arde”, a pinga, a cachaça, a canha, a azulzinha, aquela “marvada” que desce rasgando, mercê de sua inocente e translúcida aparência, cheirosa, bonita, palatável, a ponto de ser resguardada, no céu da boca, tal uma relíquia memorial, acomodada na magra algibeira do trabalhador braçal. Aos portentosos, convive numa chávena de chá inglês de 20 euros ou no frasco nobre de um vinho do Porto ou do uísque 12 anos de maturação, de altíssimo custo. Assim se apresenta a tal de linguagem figurada, especialmente através da metáfora, que é, no caso desta explícita figura de estilo, a subversão do sentido original da palavra, criando alteridades na imagética ou imagística, pelas quais se identificam e ensejam o reconhecimento da palavra poética. Aquela distinta personagem textual que faz o mundo mais formoso, possível de ser vivido, mesmo que não se a possa ver como passível de qualquer critério de utilidade. Nada é mais inútil no mundo fático do que essa moça distinguida e perfumosa. No entanto, sem a presença dessa beldade estética no coração e nos mais íntimos neurônios, não há como subverter o território emocional e intelectivo de que é feita a dimensão humana e transmutar ruindades cotidianas, de modo a se chegar às benesses do prazer e gozo, utilizando a palavra como veículo capaz de se chegar ao Novo, que recria o cotidiano através da inventiva e da reinvenção artística, curiosamente assentada na farsa, na fantasia, no poder dos sonhos e no viver por e para a recriação diuturna da mágica sensação de ser feliz.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/19.

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