O DEVENIR DO SER FELIZ

“Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não se perca! Se o achar, segure-o!” (Fernando Pessoa)

Dá gosto ver como um poeta do quilate de Pessoa comunica seu talento em Poética. Ora sua mensagem é altamente codificada até o patamar do hermetismo, noutra, como é o caso, o texto é aberto (ou derramado) quanto à codificação de linguagem e mais funciona como sentença ético-moral ou amorosa, saltando aos olhos a conquista da felicidade pessoal. Bem, pelo que se vê de sua extensa obra, o grande bardo lusitano também escreveu textos da especificidade que atualmente denominamos de “autoajuda”. Ressalte-se que grande parte do cânone crítico não reconhece a tal de autoajuda como espécime essencialmente literário, mesmo que este carreie sucesso e dinheiro ao seu autor. Que tal pensar um pouquinho sobre esta assertiva? Note-se que uma mensagem textual como a que aparece em epígrafe, não configura um "poema com Poesia" e sim uma mensagem, um aconselhamento pejado de lirismo, tudo muito ao gosto do leitor comum, o receptor, que lê para se sentir bem com um textual de pronunciado enlace emocional, enfim, uma linda e básica regra de conduta lírico-amorosa. Assim o talento de Fernando Pessoa "pega" a todo o tipo de receptor de sua mensagem, pois que altamente dotada de sabedoria e sensibilidade para o desafio de viver. Por fim, e só pra dar um contraponto analítico: se alguém me apresentasse o texto ora em destaque, por certo eu diria, de chofre, num átimo, que o célebre lusitano, a quem chamo de "o poeta do universo", mesmo que travestido de seu mais popular heterônimo, não teria sido capaz de escrever uma mensagem de tamanha simplicidade verbal, devido a sua especificidade de culta linguagem e a sua profunda subjacência de agente cultural lido, estudado e profundamente assentado nos preceitos psicanalíticos de Sigmund Freud, seu parceiro de contemporaneidade histórica. É de se ver como a ortodoxia das necessidades amorosas clama pela singeleza de conceitos e ações, mesmo que esses assuntos do amar não sejam naturalmente grávidos de simplicidade. Enfim, o jogo do amar não tem regras e tudo vale para que se chegue a um final feliz. Afinal, "Ninguém ama a outro, senão que ama o que de si há nele, ou é suposto." (Ricardo Reis)

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/19.

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