DOR

Minuciosamente, a dor chega ao meu corpo, tomando conta do pensamento, do tempo e da espera, compondo a cena em detalhes. Dependo da minha fragilidade e me sinto invadida pela tempestade em incontáveis dias de dor. Como posso sentir tanta dor se estou tão ocupada para repassá-la ao corpo? Como posso lembrar as boas passagens? É complicado! A vida tem faces que se mostram no desatino da dor. Sobrevivo à dor e a identifico como infame realidade. Encontro O Conhecimento da Dor de Carlo Emilio Gadda, publicado como folhetim entre 1938 e 1941 e, em livro, em 1963. O romance permite duas leituras, uma psicanalítica e outra linguística.

Penso que não tenho tempo para nada, mas, quando a dor se manifesta, paro tudo e me fecho em mim mesma. Sinto que o tempo transcorre em câmara lenta: não leio, não durmo bem e não me queixo. Deito ou sento confortavelmente (??) e espero a dor passar.

Depois, sinto-me inútil por ser física a dor! Não é como a dor da saudade, quando basta olhar a fotografia para amenizar o sentimento que chega com a lembrança. Aonde eu vou tenho a dor por companhia; como dizem as crianças, “dor doída!”.

Não espero a certeza do tempo presente, pois, da primeira a última linha é a dor que vigora. É processo continuado; praia sem sol; rotina quebrada; flor sem perfume; amor sem sexo; paisagem sem cor; livro fechado; batom sem brilho; lua sem luz; viagem cancelada. Esses momentos os dias limitados parecem acerto de contas. Estratégia para sobreviver ao não poder escrever e não dirigir, apenas olhar para o vazio e ouvir Moments of Loves – músicas do final dos anos sessenta, para me distrair e driblar o sofrimento, fugir da tristeza do rosto de quem me cuida e ama.

De quantas dores somos feitos? Grito pela percepção da dor e retorno em lamentações. Cuido para a palavra “ansiedade” não tomar conta de mim. Compartilho em mim a dor, mas, o que realmente importa é cuidar da inquietude, para enfrentar a situação com coragem, que o meu tempo se revela sombrio na imobilização.

Preciso ouvir e reconhecer a voz sussurrando a dor; nela alio o humor e o pensamento. Às vezes, sou a dor contida nos gritos. Não sou heroína, sou apenas a palavra de hesitação à espera da recuperação. Procuro brechas para esquecer um pouco a dor, e encontrar a palavra para cruzar a fronteira entre o dito e o revelado, pois, minha vida está de ponta cabeça, num mundo do avesso.

Falo sobre a dor para exaurir a verdade sobre o meu corpo, mostrar a minha existência em repetidos dias. Como revela o livro “Certeza do Agora” de Juliano Garcia Pessanha, “A vida do homem é o instante onde o mundo, em vão, se ilumina”.