VINTE SONETOS E VINTE E QUATRO OUTRAS POESIAS - JOSÉ BONIFÁCIO, O MOÇO (1827-1887)

APRESENTAÇÃO

É interessante ler as obras poéticas dos nossos antecessores, principalmente daqueles homens do século XIX. Através da leitura atenta das obras podemos localizar e entender, na interpretação das entrelinhas, o Homem, ser sensível, que respira e vive os problemas do seu tempo. Podemos questionar: Como era a vida naquele tempo? Como era o trabalho naquela sociedade? A Educação? A Política? Como era viver em tempos de Monarquia? Como eram as reuniões sociais? E é claro o objetivo maior: crescer literariamente e somar mais conhecimentos sobre a Arte do Belo, ou seja, a Arte da Bela Escrita, aquela que é capaz de conduzir sentimentos ao coração e despertar a sensibilidade das pessoas. Podemos tentar encontrar, descobrir vínculos com o Autor, analisando as genealogias de nossas famílias, procurando assim descobrir um parentesco, mesmo que longínquo com o autor. Podemos também procurar o Homem dentro da obra, ou seja, em seus poemas, verificando o conjunto de ideias aplicadas ao tema, o conjunto de estrofes; os versos, a sonoridade proporcionada pelas rimas, as entrelinhas, o momento político, o momento histórico e assim, procurar dados que denunciem a psiquê do Autor, que revele o seu caráter, que mostre as suas preferências, que informe como era o lazer na época em que as poesias foram compostas e cormo era o seu efeito na sociedade. Que nos mostre também como era seu convívio, ou seja, o amor pelos pais, pelos filhos, pelos vizinhos, pelos animais e até pela sociedade em que ele viveu, verificando todos seus registros, porque acreditamos que é possível encontrar na obra todo o cerne do escritor. Os temas selecionados pelo nosso Autor são os do cotidiano de qualquer pessoa, fato que tira a poesia de sua Torre de Marfim e a transporta para o cotidiano e a faz ser mais bela ainda e desperta mais a curiosidade dos leitores, são os seguintes temas: a família – no caso a irmã doente, anjos, versos, pássaros – Gaturamos, outros poetas - O comediógrafo Anacreonte, Petrarca, Dante, Camões, Castro Alves; o verde representado pelas árvores, os sonhos de juventude, a liberdade desejada por todos; a fé que todos devem ter, as aspirações de crescer na vida, vencendo todas as nossas metas, entre outros fatores, que tornam a sua poesia moderna, atualizada, proporcionando momentos agradáveis de prazerosa leitura. Nossos autor além de poesias, dividia seu tempo entre a política e a advocacia, mesmo assim, ao que parece, arranjou tempo para cuidar de seus trabalhos literários (percebemos na elaboração o cuidado com vocabulário e com a sonoridade, com a métrica – sendo os versos, na maioria, decassílabos; a utilização de sonetos – poesia de forma fixa entre outros fatores que embelezam a poesia e demonstram a cultura do Autor), com a utilização de todos estes cuidados, culmina o nosso poeta com um trabalho de fino acabamento literário. As poesias, apresentam uma temática atual, superando assim a poeira dos tempos e a aspereza do século, colocando José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço entre os grandes nomes da nossa Literatura.

Esperamos também chamar à atenção para os trabalhos poéticos (Rosa e Goivos – 1848/49 – e Poesias diversas – publicada em jornais de época) de nosso pré-romântico autor. São apresentados 20 sonetos, ou seja, vinte poesias de forma fixa: compostas por dois quartetos, ou seja, estrofes de quatro versos e; dois tercetos, estrofes de três versos, geralmente com o esquema rítmico (abba – abba – cde – cde) e 24 poesias de forma livre – versos brancos , isto é, sem rimas, sendo assim; o nosso objetivo é também desperta à atenção do leitor moderno e angariar minutos preciosos de sua atenção para o talento e sensibilidade do nosso brasileiríssimo autor, para que o fato ocorra escolhemos dezenove sonetos e vinte e quatro poesias diversas.

PEQUENAS ANÁLISES: DOIS SONETOS:

01. A CAMÕES – nomeado pelo autor – apresenta o seguinte esquema rítmico: abba – abba – cdc - dcd. O tema, como sugere o título, fala da vida e dos sonhos (fantasias) do genial bardo português, Luís Vaz de Camões (1524-1580) autor d’Os lusíadas (1572). Os versos são decassílabos (apresentam 10 sílabas poéticas, diferente das sílabas gramaticais – clássicos), como no sugere a primeira estrofe (conjunto de versos):

En/tre/ dois/ so/nhos — /li/da/ mal/ so/nha- da — 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 De fantasias mil a fantasia Viveu, como sua alma desvivia De seus fundos cuidados malcuidada.

A beleza está refletida na contradição apresentada pelo conjunto de ideias do soneto, isto é, a dura vida do poeta, entre lutas e batalhas, e suas ilusões (fantasias) poéticas, ou seja, o lado literário refletido em suas obras. 02. Poesia não nomeada pelo autor, então como convencionou-se na Literatura brasileira, que o primeiro verso (cada uma das linhas gráficas do poema) do primeiro quarteto nomeará o soneto: “Ó Dante, porque tens na boca austera...” Versos decassílabos. Conjunto rítmico: abba – abba – cdc - dcd. Vejamos a Primeira estrofe:

Ó/ Dan/te,/ por/que/ tens/ na/ bo/ca aus/te- ra 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Esse rir contraído e passageiro? Por que inda luzem chamas qual braseiro Na fronte morta que inda morta impera?

PEQUENAS ANÁLISES: TRÊS POESIAS

01. Um Cravo

- Que cut cut!!! – Que Maravilha!!! – Que coisinha gostosinha!!! – Que fofura!!! - Que leitura contagiante e agradável!!! – Que sonoridade!!! Inicia-se com a declaração (consciente) do poeta: O que eu sentia não era amor.

Para um autor daquele século (pesado, insonso, ainda “barroco”), podemos considerar esta joia (poética) como antecessora de três joias modernas (que estão em domínio público e podem ser consideradas como “cantigas” populares) e, podemos dizer apresentam o mesmo encanto, a mesma “batida” (sonoridade). Vejamos. “Atirei um cravo na água/ De pesado foi ao fundo/ Os peixinhos responderam/ - Viva Dom Pedro Segundo.” ‘Batatinha quando nasce/ Esparrama a rama pelo chão/ A menina quando dorme/ Põe a mão no coração.” “O cravo brigou com a rosa/ Debaixo de uma sacada/ O cravo saiu ferido/ e a rosa despedaçada.”

Um Cravo, apresenta três sextilhas (estrofe de seis versos – cada uma das linhas gráficas do poema) sendo os dois primeiros decassílabos (dez sílabas poéticas). Vejamos a análise da primeira estrofe:

“Pe/di-/lhe u/ma/ noi/te /dan/çan/do/ com /ela (a)

Um/ cra/vo /sin/ge/lo/ que /ti/nha /na mão...” (b) Vejamos o esquema de rimas (abcbcb): O primeiro verso não rima com nenhum outro: é branco (sem rimas). O segundo verso rima com o quarto e o sexto. O terceiro verso rima com o quinto.

Assim temos:

- Que eu/ a/ma/ri/a (5sílabas poéticas) (c) Com/ de/vo/ção, (4 sílabas poéticas) (b) Eu/ só/ tra/ri/a (c) No/ co/ra/ção. (b)

Finalizamos com análise do tema (assunto, motivo poético) – um jovem enamorado de certa dama, pede-lhe o cravo que ela tem nas mãos – o cravo é negado, como diz o romântico poeta na terceira estrofe: “Passam-se as horas...”, todos vão embora, e o cravo, mesmo querido, é esquecido. 02. MEU VERSO

Outro cut cut do romântico autor!!! Desta vez temos um (quase) Rondel – poesia de forma fixa composta por três estrofes, sendo dois quartetos e uma quintilha, num total de treze versos, faltou pouco para ser Rondel – apenas um verso na última estrofe. Na poesia em análise temos, três estrofes de quatro versos – quadras – sendo o conjunto de rimas o seguinte: abcd – defe – ghih. O terceiro verso da primeira estrofe é também o terceiro verso da segunda e da terceira estrofes. Os versos possuem sete sílabas poéticas. O tema (motivo poético) nos remete ao grande sonho de todo poeta, ou seja, que seus versos sejam amplamente lidos, entendidos e encantadores.

Que transportem o leitor a um mundo de sonhos e delícias inimagináveis pela alma humana, e que a todos encante e domine atingindo o coração e a alma do leitor, em outras palavras, que seja lido e amado.

03. A LÁGRIMA

Outro cut cut do romântico autor.

Soneto clássico:

Esquema de rimas: abba-abba-cdc-dcd.

Versos decassílabos (medido, com dez sílabas poéticas, ou seja, sonoras).

Vejamos a escansão (divisão em sílabas poéticas) da primeira estrofe:

Não/ sei/ meu/ Deus/ se a/ lá/gri/ma é/ vem/tu - ra, (10 sílabas poéticas)

Ou/ se é/ tris/te/za/ que/ nos/ vem/ do/ céu;

Não/ sei/ se é or/va/lho ou/ luz,/ que/ co/bre o/ véu

Do/ mis/té/rio/ da/ mor/te, a/ noi/te es/cura!

O leitmotiv do poema está concentrado na produção de uma lágrima (ou lágrimas) que pode(m) ser de sorte ou de tristeza, pode ser também uma lágrima de emoção (exemplo: o nascimento de uma criança).

Pode ser também a Lágrima de Nosso Senhor no momento crucial de sua curta vida (o grande sacrifício).

Fala também o soneto das lágrimas de amor como suplício (talvez, a ausência sentida?) e dos braços (ausentes?) da amada como um calvário.

Depois das análises destas cinco pequenas joias (os cut cuts!!!), esperamos ter conseguido demonstrar todo o potencial do Autor e a beleza de sua obra literária.

Ou seja, esperamos ter conseguido demonstrar que José Bonifácio de Andrada e Silva (1827-1886), o Moço - neto do Patriarca da Independência do Brasil, fato ocorrido em Sete de Setembro de 1822 (Independência ou morte!), é também, Estrela-Mor da Poesia brasileira, e por isso, deve ser lido, analisado, comentado e estudado como parte integrante de nossa Literatura.

Rio de Janeiro, 1º de julho de 2019. Augusto de Sênior. (Amauri Ferreira)

In: SÊNIOR, Augusto (org.). VINTE SONETOS E VINTE QUATRO OUTRAS POESIAS (JOSE BONIFÁCIO, O MOÇO). SP: Clube de Autores/ Agbook, 2019.