A PRODUÇÃO NARRATIVA PRESENTE NA OBRA “VIDAS SECAS” DE GRACILIANO RAMOS (1938)

ANÁLISE LITERÁRIA

A PRODUÇÃO NARRATIVA PRESENTE NA OBRA “VIDAS SECAS”

DE GRACILIANO RAMOS (1938)

FERRI, Marcos Antonio

UNEMAT - Curso de Letras - 4o Semestre

RESUMO

Este trabalho tem a intenção de refletir, de maneira despretensiosa, a pessoa do narrador, levando em conta algumas considerações importantes sobre o ofício de narrar, extraídas de outros artigos, cuja expressividade é incontestável no cenário da literatura brasileira e mundial, bem como o papel desempenhado pelo narrador na obra de Graciliano Ramos intitulada “Vidas Secas”. Assim, deixo bem claro que os itens refletidos nesse artigo não são, nem de longe, suficientes para desvendar a força das reflexões que ainda podem surgir a respeito dessa figura que é o narrador.

SUMMARY

This work intends to unpretentiously reflect the person of the narrator, taking into account some important considerations about the narration, extracted from other articles, whose expressiveness is incontestable in the Brazilian and world literature scene, as well as the role played by the narrator in the work of Graciliano Ramos entitled "Vidas Secas". Thus, I make it very clear that the items reflected in this article are by no means sufficient to unveil the force of the reflections that can still arise regarding this figure who is the narrator.

Palavras chave: narrador, narrativa, vidas secas.

INTRODUÇÃO

De acordo com grandes escritores e analistas literários, o dom de narrar foi, fazendo uma analogia simples, tecido na rede em que o trabalhador ouvia uma história enquanto se ocupava em seus afazeres. Nesse sentido, ele escutava as histórias contadas por outros e, com atenção e entusiasmo, adquiria espontaneamente o dom de narrá-las a outros, com perfeição de detalhes. Assim a rede ganhava força em seus elos e se solidificava na voz do narrador. Contar histórias sempre foi uma arte e esse ofício exige que o narrador não permita que suas histórias se percam no esquecimento. É preciso contá-las de novo, de novo e de novo, para conservá-las como um tesouro que servirá para as futuras gerações. O autor e o narrador são íntimos e responsáveis pelo sucesso da narrativa, empregando todas as técnicas possíveis para que produza o efeito desejado.

DESENVOLVIMENTO

A narrativa é uma forma artesanal de comunicação entre povos, de geração em geração. Durante muito tempo floresceu no campo, no mar, na cidade e em todos os lugares imagináveis. Os frutos vieram e, ainda hoje, o bom apreciador se esquece de si mais profundamente para se deleitar com uma boa narrativa. Quanto mais o ouvinte se esquece de si, mais se grava nele o que é lido ou ouvido.

Um grande narrador tem sempre suas raízes no meio das multidões, principalmente nos grupos de terceira idade, onde se encontram as grandes histórias, os grandes mitos, as fantásticas lendas com tanta verossimilhança, que é quase impossível acreditar que aquilo seja apenas uma lenda.

A narrativa ocupa e desempenha um papel elementar no patrimônio Literário da humanidade. É como o saber, que vem de longe, encontra aceitação em nossa razão e se instala em nosso coração, para se encher de emoções. Assim, o bom narrador narra com propriedade, deixando um legado de sentimentos e emoções no coração de quem aprecia a boa obra narrativa.

No campo ou no mar, no sertão ou nas florestas, nos desertos ou nas cidades, cada um dos operários da narrativa produzem suas respectivas famílias de narradores. Tanto o camponês sedentário quanto o insaciável e comerciante marinheiro, estão a produzir suas histórias e, consequentemente, atraindo novos filhos narradores.

Há uma interpenetração desses dois tipos de produtores narrativos. Ambos buscam na vida humana a matéria-prima para suas histórias e se tornam mestres e sábios, chegando a ocupar postos de conselheiros e juízes, “acima” do bem e do mal.

De acordo com vários autores, o narrador sempre vai buscar no acervo de toda uma vida – das próprias experiências – e das experiências alheias, a matéria-prima para o fazer narrativo. Nesse ofício, assimila à sua parte mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer. Ele tem o dom de contar sua vida, partilhar sua dignidade, revelar seus segredos mais sórdidos e mais íntimos, de forma que tudo se relacione ficcionalmente com a verdade.

O narrador exímio provoca encontros consigo mesmo e, entre um monólogo e outro, vai tecendo uma rede narrativa com tamanho poder de persuasão que é capaz de converter até os mais céticos e incrédulos.

Partindo desses pressupostos, num singelo mergulho no mundo da narrativa, é hora de falar mais especificamente de uma obra-prima das narrativas brasileiras. “Vidas Secas” é uma dessas obras canônicas e icônicas, de maior expressividade no campo da literatura brasileira.

CONTEXTO HISTÓRICO

Escrita em 1938, por Graciliano Ramos, essa obra surge dentro de um contexto histórico de grande relevância mundial. Os Estados Unidos se recuperava de uma das maiores crises econômicas de sua história, e tal crise se respingou por todos os cantos da terra. A Europa tentava se reabilitar financeiramente, após os estragos deixados pela primeira grande guerra mundial. O conflito envolveu as grandes potências de todo o mundo, que se organizaram em duas alianças opostas: os aliados (com base na Tríplice Entente entre Reino Unido, França e Rússia) e os Impérios Centrais, a Alemanha e a Áustria-Hungria. Originalmente a Tríplice Aliança era formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e a Itália; mas como a Áustria-Hungria tinha tomado a ofensiva, violando o acordo, a Itália não entrou na guerra pela Tríplice Aliança. Estas alianças reorganizaram-se (a Itália lutou pelos Aliados) e expandiram-se com mais nações que entraram na guerra. Em última análise, mais de setenta milhões de militares, incluindo sessenta milhões de europeus, foram mobilizados em uma das maiores guerras da história. Mais de nove milhões de combatentes foram mortos, em grande parte por causa de avanços tecnológicos que determinaram um crescimento enorme na letalidade de armas, mas sem melhorias correspondentes em proteção ou mobilidade. Foi o sexto conflito mais mortal na história da humanidade e que posteriormente abriu caminho para várias mudanças políticas, como revoluções em muitas das nações envolvidas, inclusive no Brasil. A instabilidade política da época acabou gerando muitos conflitos civis e militares. Getúlio Vargas, ocupava o comando do Brasil, como presidente da República, desencadeando uma violenta perseguição aos adeptos do comunismo no país. Grandes pensadores, filósofos, escritores se filiaram ao Partido Comunista do Brasil, e Graciliano Ramos estava entre eles. Chegou a ser preso pelo poder do governo de Getúlio Vargas.

Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo, no estado de Alagoas, no dia 27 de Outubro de 1892, cursou o ensino médio em Maceió, e mudou-se para o Rio de Janeiro onde vivei até 1915, depois voltou para o estado alagoano e se casou.

OBRAS DO AUTOR

De todo esse contexto histórico e político, Graciliano Ramos tirou inspirações para escrever várias obras, que ganharam destaque no cenário literário nacional e internacional. Ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Brasil de Literatura, com seu primeiro livro entitulado “Caetés” (1933). “São Bernardo” (1934), “Angústia” (1936), “Vidas Secas”(1938), “Angústia”(1945), “Insônia” (1947), Em 1953 Graciliano Ramos lança “Memórias do Cárcere”, onde narra o período em que esteve preso por ser opositor ao “Estado Novo”, regime de governo implantado por Getúlio Vargas, e em 1954 escreveu outra grande obra chamada “Viagem”.

Tido como escritor do segundo movimento modernista, Graciliano Ramos escreve o romance “Vidas Secas”, se valendo de toda experiência de vida adquirida até aquele momento, para denunciar as mazelas do povo brasileiro, principalmente a situação em que se encontravam os conterrâneos nordestinos.

O NARRADOR

Vidas Secas é narrado em terceira pessoa, ou seja, o narrador é externo e onisciente. De fora, vê tudo e sabe de tudo, até dos pensamentos das personagens, deixando uma leve impressão que são as personagens que estão narrando os fatos. O Narrador usa o ponto de vista das personagens e se vale de suas vidas para tecer os capítulos da narrativa em questão. No romance “Vidas Secas” o narrador usa de uma técnica chamada “discurso indireto livre” para mostrar a fala ou os pensamentos das personagens, contando as histórias a partir do ponto de vista das personagens. Se o leitor não estiver atento na sua leitura analítica, pode não perceber que aquela fala ou pensamento é, na verdade, da personagem.

Em “Vidas Secas” o narrador busca, como matéria-prima, as angústias, os sofrimentos, as privações físicas, econômicas, os dramas, as dores, os sonhos, enfim, tudo é matéria-prima para o narrador. A família de retirantes está fugindo da seca que devasta e aniquila quase todas as formas de vida no sertão nordestino. Graciliano Ramos concebe seus escritos tendo como inspiração esses pobres retirantes em total exposição às ações desse espaço. O pai se chama Fabiano, que vem do latim=Fáber, que significa: “aquele que faz”, mas Fabiano não tem nada a não ser a vontade de fazer. A brutalidade, a rudeza, os grunhidos como se fosse um bicho são elementos de extrema importância para que o narrador tenha êxito em sua tarefa de contar. Sinhá Vitória é a mãe submissa, que sonha um dia poder dormir numa cama de couro igual à do seu Tomas da bolandeira. Seus sonhos são objeto de exposição que o narrador usa para enobrecer sua construção literária. O narrador não menciona o nome dos meninos, o mais novo e o mais velho, com a intenção de deixar uma crítica sobre a inexistência de muitas pessoas que estão vivas no espaço do sofrimento mas estão mortas para as ações beneficentes do governo. A grande sacada narrativa que é tida como a parte mais emblemática da obra está no conto da cachorra chamada baleia. De maneira toda especial o autor aplica a técnica de zoomorfização, que é dar características humanas aos animais, facilitando assim a vida do narrador, que se serve dessas características para tecer uma das melhores histórias do romance.

O narrador extrai das personagens elementos fundamentais para uma composição que empolga e fascina os leitores, ao mesmo tempo que denuncia e desvenda toda problemática que massacra o povo do nordeste. O abandono por parte dos governantes, que são corruptos e corruptores, são maquiavélicos e desalmados e vão sendo dissecados para o propósito da obra. Ao narrar os fatos, o narrador pode construir a imagem das personagens de modo positivo, ou de modo negativo. Tudo vai depender do engajamento ao qual o narrador foi, ou está submetido, para produzir os efeitos necessários. Porém, há de se destacar que a mensagem do autor nessa obra vai muito além do contexto do sertão. Ele quer nos fazer refletir sobre nossas próprias vidas, O que estamos procurando neste mundo? Onde estamos depositando nossa fé, nossas esperanças, nossas vontades? O que vamos deixar para as futuras gerações?

Essas e muitas outras indagações brotam da narrativa com a intenção de nos fazer refletir, a ponto de tomarmos uma decisão que nos leve a fazer uma conversão radical, uma mudança decisiva de nossas opiniões, de nosso caráter se preciso for.

CONCLUSÃO

Esse trabalho reflete que a narrativa é uma forma artesanal de comunicação entre povos, de geração em geração. É fato que um grande narrador tem sempre suas raízes no meio das multidões. No campo ou no mar, no sertão ou nas florestas, nos desertos ou nas cidades, cada um dos operários da narrativa produzem suas respectivas famílias de narradores. Faz parte da análise também que o narrador exímio provoca encontros consigo mesmo, e na função específica desse trabalho vimos que é preciso falar mais especificamente de uma obra-prima das narrativas brasileiras. “Vidas Secas” é uma dessas obras canônicas e icônicas, de maior expressividade no campo da literatura brasileira. O narrador presente na narrativa desse romance tem suas nuances e suas marcas bem definidas, e traduz com perfeição a intenção do autor no que diz respeito a apresentar uma obra que vá de encontro aos anseios do leitor. Assim se percebe que os itens refletidos nesse artigo não chegam nem perto de esgotar a gama de reflexões que ainda podem surgir a respeito dessa figura que é o narrador.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, W. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 23. ed. São Paulo: Martins, 1969.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas; posfácio de Álvaro Lins, 73ª ed. Rio, São Paulo: Record, 1998.

Vidas secas – análise comentada. Disponível em: <http://sejaetico.com.br/novo/professor/em/analise-de-livros>. Acesso em 17 junho. 2013.