TÁBUA DE SALVAÇÃO

Poesia é a voz do Mistério, o fruto da inquietação, o confronto com aquilo que nos é costumeiro, impertinente, ali, no lugar comum da vida: aquele quase sempre vezeiro e hostil cotidiano, especialmente nos momentos de apreensão e de mudanças. Enquanto proposta ao pensar, os versos são gume e/ou flor, tábua de salvação para o justo momento. Como se o Ego Coração dissesse: olha-me, estou aqui, empapado, tinto dos valores deste momento de contingências e descobertas. A Poética a tudo açambarca. É o aparentemente inútil, flor de farsas, falsidades, inventivas, idealizações, sonhos, trapaças, desejos e inocentes dengos. Tudo para apenas ser feliz. E como a felicidade é um bem maior para o humano ser, é possível viver sem a tal de Poesia? A emoção espreme o poema sem dó nem piedade, e a palavra o exprime, meiga e pacienciosa. Também, por vezes, é grito silente sob a carapaça dos gemidos de prazer e outros quetais.

– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2017/19.

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