CAIXINHA DE SURPRESAS

Às vezes, depois de tantas tentativas e formatos, a gente acerta uma. E então o poema ou o texto prosaico é recebido pelo leitor, que o louva por sua beleza ou pela verdade que pressentiu no mesmo. Enfim, o receptor se deu por satisfeito. O bom é que a gente vai aquecendo a máquina do pensar a cada vez que apresenta a peça e se expõe ao juízo analítico do leitor. O pior é que nunca sabemos quem é ele, não é mesmo? Daí que trabalhamos com o incognoscível. E a obra que se pretende estética – especialmente o poema com Poesia – obtém pousada na cabeça e no coração de cada um de maneira diversa. Ora a palavra está em estado de nudez, e por vezes sente frio ou calor. A Palavra é mero registro do que é cambiante, inominado e até gerado na falsidade, na farsa, na inventiva para fugir do real; no sonho que liberta os desejos mais intimistas e ímpios, daí que inconfessáveis, gozosos de ânsias e prazer. Nem sempre a libido é bem recebida pelo outro. Todo mundo quer obter o fruto que atenda a sua própria necessidade. O poema é um bem que se pode materializar e passa a ser objeto da possessão de quem o crê instrumento de prazer. Há pessoas que, por conhecer o autor, até sentem ciúme de seu estro, talento ou se dispõem a disputar o objeto de sua felicidade, inda que nem saiba o porquê. O humano ser é sempre uma caixinha de surpresas. É por ele que me excito em torno do eventual fato e o torno verdade plena através dos significantes e significados. É especialmente na imagética do lirismo amoroso que me exercito pela palavra, chegando, por vezes a antever o ato/fato ou o gesto que o agrada. Amamos de paixão o nosso leitor. Porém, nem sempre acertamos no que ele deseja ter ou possuir por alguns instantes. Como ocorre com o amor de alcova, aproveitando, no mais, a ocasião furtiva. Porém, nem sempre o prazer se dá como esperávamos.

– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2017/19.

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