A POSSESSÃO DO LEITOR SOBRE O POEMA

O poeta-leitor, que é como chamo – especificadamente – o receptor de poemas, é quem formata e dá corpo ao texto (verbalização) que compõe o poema, que é apenas mera e singela sugestão autoral apresentada à reflexão. Ao se apossar do poema – como fora seu – o receptor o recria segundo o seu patamar de entendimento, assentado em sua comoção e em seu preparo intelectual e cultural. Esta temática da escolha e do efeito que o registro poético produz sobre aquele que o abraça e o come sôfrega e esfomeadamente, é das cogitações pertinentes à teoria literária e é sumamente importante para os criadores de peças poéticas, especialmente aquele que, por talante e gosto, por prazer e ofício, oferece seus poemas publicamente e espera o juízo estético (sempre rigoroso) da posteridade literária. E esta, que perpassa além do autor, muitas vezes séculos após a morte do criador do poema, coleciona valores e axiologia próprios e peculiares a cada era. Todavia, a meu ver, o poema, em si e por si, não é uma peça destinada a ser marcada pela alcunha dolorosa e daninha da temporalidade, porque o poema vale pela sua axiologia, por sua codificação, por seu conteúdo hermético ou (quase) enigmático, a teor dos valores que compõem a cabeça do eventual receptor. E é esta axiologia valorativa que se renova a cada determinado tempo de ideologias mudancistas, e não o poema em si, que é peça imutável de fixação de tal ou qual situação, de amor ou abordagem de valores agregados com força para a recepção a qualquer tempo. E como a literatura não se destina a interferir diretamente no plano da realidade, dependendo de seus efeitos na emoção e na racionalidade de seu receptor, a proposta universal e de sugestão contida na peça poética não envelhece, porque ela nasce para viver a destempo. Depende, sim, da intensidade da possessão de seu leitor e da entrega deste ao seu tempo de viver.

– Do livro OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/19.

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