A INSIDIOSA PALAVRA

Há situações tão puras e desejosamente íntimas que, por vezes, o ato de amar que os parceiros praticam sem nenhuma restrição ético-moral alça-se pejado de poeticidade corpórea no decurso dos jogos sexuais, dando azo à desnuda Poesia, tão intenso é o desejo de entrega e de estar dentro do outro que se acumulara; e isto se dá no universo tátil, nervos, bocas, palavras ao ouvido. O jogo do amar é sôfrego, ânsias de quem está com sede e neste se bebe até o recipiente. Só não vale ficar com as mãos em concha – permanentemente – porque a sede se esvai. Todavia, é preciso ter em conta de que o poema se faz com palavras e símbolos gráficos, os quais por sua vez, produzem imagem, ritmo e movimento – tudo matéria viva aos olhos e ouvidos. Também não é menos verdade que o discurso verbal produzido pelo protagonista pode ser a tradução do confidencial inerente ao próprio jogo e não conter a mínima intenção de se fazer poema (com Poesia), e sim a digital verbal do que restou como tatuagem gozosa. Todavia, por vezes, o encantamento dos jogos do desejo de ser e estar e sua intrínseca volúpia, leva a um dos participantes (ou a ambos) a fazer o registro do momento de fogo e prazer numa consecução – o registro sensual do que se plasmou na memória. O poema lírico-amoroso-erótico prenhe de conteúdo estético – entenda-se, com Poesia – é um sinete real e registrador do prazer. O que lhe pauta a todo o tempo é a subjacência ao ato-fato dos corpos acesos. No entanto, ter-se-á, por vezes, uma inocente timidez. Com ela se reitera a proteção aos protagonistas do ato. A palavra erótica insinua, mas não mostra. O espécime pode até ser um relato com detalhes intimistas, mas sobre estes se estende a ardileza das palavras, que é o que compõe o poema e com este se perpetua o ardente momento do amar. Destarte, há que se em conta que o poema havido é como um peignoir ou um pijama: cobre-se o que é íntimo para que não fique visível. Mas a todo o momento nota-se que a nuance que povoa o esconderijo dos jogos é a ânsia indômita de se saber dentro do outro, mesmo que fora da horizontal. Porque esta é a digital da Paixão.

– Do livro inédito POESIA DE ALCOVA, 2015/19.

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6637810