A LITERATURA QUE VEM DE LÁ
Durante décadas, a produção literária no solo Espírito-santense desconheceu o valor histórico-cultural do norte capixaba menosprezando-o como terreno baldio e infértil, embora houvesse por todas as possessões dessas cártulas federativas fartura de Mata Atlântica, canto de araras, rituais de aimorés, botocudos e cotochés.
No final da década de 90, Adilson Vilaça resgatou em “Cotaxé” as melhores memórias da Guerra do Contestado historiografando com delicadeza e precisão cirúrgica a fundação do Estado de União de Jeovah e ascensão do líder messiânico Udelino Alves de Matos, os mandos e desmandos de uma terra sem lei e, sobretudo, a brutalidade dos jagunços, posseiros e militares em expedição por esse último “Eldorado do Brasil”. Vilaça, em 12 de março de 2018, foi eleito imortal pela Academia Espírito-santense de Letras sucedendo Ivan Borgo na Cadeira 13.
Em 2017, Bernadette Lyra trouxe por finas páginas de “Água Salobra” um conjunto de crônicas sobre sua saudosa Conceição da Barra. O livro é um canto de menina deslumbrada por toda beleza, afeto e mansidão que há no passado de sua Cidade. O rio Itaúnas, os navios e barquinhos pesqueiros, os jasmins, o muxá, o ticumbi, as pastorinhas de reis e até as cocadas de uma certa Ana Naninha (tão boa doceira quanto Anna Lins, da Villa Boa de Goyaz) são deleitosas lembranças da Grande Dama de nossa Literatura.
Contemporaneamente, na poesia ecoa-se a “Voz” de Jorge Verly: um sábio escritor moderno que deixa escapar em linguagem fluida todas as contradições existenciais que assolam o homem. Horacio Xavier traz no seu coração veneciano o dom de ser “Dizedor de Sentimentos” pela arte, militância e presidência da Academia de Letras de Vila Velha. Já o colatinense Fernando Achiamé consolida-se como um dos principais intelectuais que já vivera nessas terras de muitos sussurros e mistérios.
O dramaturgo Saulo Ribeiro tornou-se a maior referência do tímido mercado editorial capixaba, através da “Cousa”. Todos os anos, consagrados autores confiam seus manuscritos e originais ao canariense que editam-os com qualidade e erudição.
A Capitania Perdida e toda a região norte tem muito a contribuir para a construção da cultura capixaba. Cada um desses escritores possuem nos relicários de seus tempos retratos de uma gente esquecida, renegada politicamente a curral eleitoral porém, cheia de raça, bravura e palavras. A literatura que vem de lá têm raízes profundas capazes de tocar o manto da mais bela inspiração e abrir tesouros que somente “nortistas” podem revelar.