O EXISTENCIALISMO E A IDADE DE SONHAR

Quem um dia já partiu
Sabe bem o quanto dói
Aquele olhar amoroso
Que à nossa alma condói
É um mundo pela frente
E outro que se corrói.


     Este texto, inicialmente, teve finalidade acadêmica, pois foi escrito em função de uma atividade apresentada como trabalho de reflexão em duas disciplinas do curso de graduação em filosofia, da Uninter. A proposta era, aproveitando o gosto dos alunos por música, analisar letras musicadas que pudessem ser avaliadas do ponto de vista filosófico, seja no tocante à linguagem, seja no tocante às diversas correntes dessa área do pensamento, sempre tão fascinante e questionadora. Após o cumprimento da tarefa, pareceu-me apropriado dividir o texto final com meus parcos e valentes leitores.
     As canções escolhidas por mim foram "No dia em eu que saí de casa”, de Joel Marques, muito popular na interpretação de Zezé di Camargo e Luciano, e "Idade de sonhar", letra do poeta Vaine Darde e música de João Chagas Leite, que também a interpreta. Ambas estão bem acessíveis no Youtube. Interessante ressaltar que os três compositores citados são gaúchos. O tema homônimo das duas canções é o momento crucial em que os filhos resolvem sair de casa no Interior para enfrentar a vida na cidade grande, longe dos seus afetos, pressupondo que enfrentarão muitas dificuldades.
     Na canção "No dia em que eu saí de casa", vários trechos fazem referência à angústia de partir:

Eu bem queria continuar ali
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar da minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar


     Entretanto, mesmo diante dessa vontade ambígua, só resta um caminho:

Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar


     Essa mesma realidade está presente em "Idade de sonhar":

A minha mãe pediu que eu ficasse em casa
Que não deixasse a família e o nosso lar
Porém a gente de repente cria asas
E não domina a vontade de voar


     Não obstante esse pedido, o filho parte e dá vazão aos seus anseios, construindo a própria vida, pois a juventude é a "idade de sonhar". Todavia, o tempo passa, a maturidade chega e algumas mensurações mudam de tom, implicando reavaliações sobre a própria vida, que avança lenta e vertiginosamente, sem permitir retorno em situações cristalizadas. Aí diz o poeta:

Eu tinha tudo lá no campo, eu tinha tudo
E troquei tudo porque sempre quis ter mais
E mesmo hoje tendo um lugar no mundo
O mundo é triste, pois não tenho mais meus pais


     Nesse momento, o personagem dá-se conta de que lutou contra moinhos. Amealhou bens e prosperidade, mas perdeu o convívio com as pessoas mais significativas de sua vida e que isso nunca mais será recuperado. E vê que essa saga será repetida para ter o mesmo fim:

Porém a gente faz mil planos quando casa
Formar família, ter um rancho, ser feliz
Hoje meu filho decidiu sair de casa
E vai fazer tudo igual um dia eu fiz


     A desilusão filial virá um dia e ele nada pode fazer, sentindo-se impotente. Somos nós mesmos nos nossos filhos.
     Pois bem, vamos agora abrir um linque dos conteúdos apontados nas canções com a filosofia, conforme explicitado no comando desta questão. No caso específico, podemos correlacionar as temáticas com o existencialismo de Jean-Paul Sartre. A vida é feita de escolhas e, desde cedo, temos a liberdade de fazê-las. Todavia, essa liberdade vem acompanhada da contingência de ficarmos presos às consequências dos nossos atos, que foram volitivos na origem, mas que não nos permitem mais serem revistos. Dessa forma, pode-se debater com os jovens a importância de refletir muito bem sobre nossas opções na vida, tanto no tocante aos amores, à carreira, aos eventos circunstânciais quanto aos pactos que estabelecemos com nós mesmos e com os outros em busca de uma hipotética felicidade que nos mostra suas faces dúbias, aos poucos, no varejo, enquanto sonhamos com ela no atacado.
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 03/02/2019
Reeditado em 20/05/2021
Código do texto: T6565802
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