A MÚSICA E A ALMA
"Prefácio para uma obra poética de João Coelho dos Santos"
João Coelho dos Santos, escritor humanista multifacetado desde bastante jovem, em diversas áreas, nomeadamente poesia, teatro, biografia histórica, pedagógico-didácticas e ensaios, inveterado beirão à beira-mar plantado, mais propriamente em Lourosa – predestinado pois a colher os “louros” da honrosa crítica, quanto a nós perfeitamente adequada e merecedora – apresenta-nos neste seu 43.º livro, «A Música e a Alma», uma postura poética de alta qualidade e ornada por destacados laivos de emoção.
Esta obra é-nos apresentada consubstanciada em cerca de seis dezenas de poemas, evidenciando todos eles uma frontalidade sui generis muito própria de quem da vida sempre teve e tem assumido uma paixão carismática e solidária.
Fica-nos a ideia de que o poeta, em versos de espontânea fluência e libertos das rígidas peias da linguagem poética tradicional, constrói uma reflexão existencial e sentimental trazendo à tona da água alguns traços nítidos da sua história pessoal, como se de uma viagem – uma viagem de Vida – se trate. Esta narrativa patenteia o espanto e o deslumbramento que, na linguagem do poeta, desponta motivada por “um pórtico de luz” e que tem o seu epicentro dentro de si mesmo.
Toda esta arrebatada emergência oscila entre dois claros sentidos de tonalidades distintas: o sentido da arte de música que, no conceito de Jorge de Sena, é determinante para a consolidação poética, e o sentido da alma como personalização de um outro “nós” que, em si, põe à prova o verdadeiro fenómeno da nossa própria consciência humana.
O poeta manifesta, desta maneira e desde tenra idade, a revelação de uma dupla sensibilidade quer pelas variadas formulações no que concerne à musicalidade poética quer pelo recurso permanente à conjugação de valores e atitudes que habitam no interior da alma.
Assim, paulatinamente, tem-se a sensação de que o poeta vive intensas memórias da sua juventude, caldeadas pela saudade e pela nostalgia de algo que se perdeu ou vai perdendo mas que encontram, essas mesmas memórias, a necessária e motivante harmonia pelo diálogo entre si mesmo e os princípios solidários cuja fonte brota e cresce da mesma alma. A «música» e a «alma» conjugam-se assim harmoniosamente por uma alegoria caleidoscópica que contribui, em artístico mosaico, para uma postura anímica que, em última análise, tende a conduzir o autor ao prazer supremo da sua realização.
Entre as fórmulas mais comuns da dimensão musical que sempre estiveram e têm estado patentes nas preocupações do poeta assume um papel estrutural a emergência da tradição nacional, em que o fado se revela como pivot de um saber estar poético determinante. Nesta mescla de sentimentos vem ao de cima toda uma imaginação metafórica, como se o autor fosse uma espécie de cavaleiro andante ou de viajante peregrino, que leva consigo as alegrias, as tristezas, as lágrimas, não para se refugiar na solidão de si mesmo, mas para ir ao encontro do outro ser humano, partilhando com ele as suas preocupações, as suas emoções e, quiçá, as suas próprias ilusões, encontrando em todas elas o delicioso bálsamo da arte de viver.
Nesta poesia e nestes versos – e igualmente à luz da opinião de Jorge de Sena, que sempre defendeu e demonstrou que toda a poesia deverá ser testemunhal – o nosso poeta não fez nem tem feito outra coisa que ser testemunho e exemplo para todos aqueles que com ele convivem e, mais que isso, sempre tem sido um oportuno e pertinaz combatente na denúncia dos desmandos, das injustiças, e das desigualdades que grassam em todos daqueles que usam e abusam do poder temporal.
E é por isso que toda a Poesia, incluindo a do nosso poeta é, além de mágica, a mais nobre e distinta de todas as artes.
João Coelho dos Santos espelha, de uma forma contundente e decisiva, em toda a sua poética, as grandes preocupações da Humanidade, procurando ir ao encontro das soluções mais consentâneas com o sonho e a busca de um mundo novo e de uma maior solidariedade entre os homens.
Frassino Machado