GAVETA QUE QUERO ABRIR

O que é o grande amor? Tragédia? Constatação da emoção? Ato heroico? Fonte de inesgotável perplexidade? Não só de sonhos vive o meu imaginário; também de saudades, lembranças e dores do coração. Especialmente quando tudo que está engavetado vira palavra de ordem: abrir a gaveta.

Antes de abrir a gaveta, pergunto-me se encontrarei o que estou procurando. Mas, quando vejo o conteúdo do seu interior sinto entremeadas emoções e descubro o meu limite ao me surpreender com os objetos encontrados; percebo que ao tocá-los as lembranças vêm à mente como se fosse algo acontecido ontem. Entretanto, o significado da gaveta que quero abrir é o meu desejo de desvendar os segredos que, por necessidade, estavam resguardados, mas, não esquecidos.

Sou consciente sobre a gaveta, mesmo sendo só um objeto; sua importância está no reencontro das versões da minha vida. Fragmentada, sou minha fraqueza, meu desamparo e incerteza. Ao nela mexer revejo a juventude, o amor, os poemas escritos sem alegria e as cartas saudosas. Luiz Otávio Oliani expressa, “Pedaço de papel / vendaval de palavras... / Ventania no peito...”.

Na gaveta, a presença, o perfume e as palavras são constantes em minha vida. Tantos sentimentos contidos me levam a buscar as lembranças engavetadas, na necessidade de que a memória devolva o meu ritmo. Sem mistério e medo abro a gaveta e reencontro meu passado para poder sentir o que vivi: amor e paixão. Como no livro de Benedito C. Silva, É Possível Decifrar o Amor? - ”Dize-me quem tem razão / Quando o assunto é o amor: / A razão,/Que quer algo racional, / Ou o coração, / Que quer algo passional?”

Nela encontro seu livro e seu gesto; posso senti-lo através do objeto; posso revê-lo. Em minha fantasia é você quem mais sofre com a minha ausência, porque não o vejo abrindo a nossa gaveta. Alice Ruiz retrata, “A gaveta da alegria já está cheia de ficar vazia”. Capturo a sua expressão descrita em carta e bilhete; elas transgridem seus poemas e meus sonhos; explodem as minhas forças quando penso na sua indiferença, como se tivesse havido a partida.

Tenho a gaveta que quero abrir, como guarda dos sentidos e sentimentos. Não posso negar que remexo no seu conteúdo para reviver o amor e sentir a atração como mistério. Espalho pelos cantos da casa a sensação de me tornar próxima de quem está longe do meu coração, como faz Benedito C. Silva no livro Gavetas Abertas em Cômodos Distintos, em que abre gavetas literárias para ajudar a transformar o cotidiano.