NÃO HÁ ALEGRIAS E NEM TRISTEZA EM MEU SER
Lá fora a chuva cai e aqui dentro não há lágrimas em mim. Não há alegrias e nem tristeza em meu ser, apenas recordações vividas, somente um estado simbiótico entre o sair e o ficar. A chuva se intensifica ainda mais, tão forte que decide por mim o não ir, o ficar. Continuo sentado…
Uma mão segura a caneta, enquanto escrevo, nessa tentativa de expurgar esse sentimento apático e confuso, ou mesmo a falta de sentimentos, sei lá. Não há alegrias e nem tristeza em meu ser. A outra mão segura meu rosto, entre a boca e o queixo. Três dedos livres, vagabundos, talvez inúteis, o polegar e o indicador abertos em quarenta e cinco graus, em formato alfabético de ele. Meu cérebro, preguiçoso, parece não querer pensar nesta manhã sem sol e céu cinzento de nuvens chorosas. A música romântica que toca no rádio agora não me toca, nem me alegra e nem me aborrece. É como se nem estivesse tocando no som, como não toca em minha alma. Não há alegrias e nem tristeza em meu ser. Em outras épocas, a mesma música, me levava ao infinito, ao êxtase, agora simplesmente quebra o silêncio exterior, pois no meu interior não a nada além de um vazio sem fim.
O asfalto está molhado... Vejo daqui. Não há falta de sentido, unicamente sentimentos não há em mim. As vidraças me separam dos fios de água que descem límpidas pelas janelas. Toco-as. Estão frias, as vidraças estão frias! Mais frias ainda devem está as lágrimas das nuvens... Não mais glaciais que minhas correntes intelectivas. Não há alegrias e nem tristeza em meu ser, mas queria está saltitante neste momento, feito alguém que acabara de receber a boa notícia mais aguardada, ou preferia também está triste, feito o perdedor mais choroso de todos os mundos, todavia, neste instante, não há alegrias e nem tristeza em meu ser. Não há ventos lá fora, não há movimento aqui, não há nada em lugar nenhum, a não ser o abalo das águas das chuvas a inundarem as ruas. A chuva parece cair com mais força ainda, talvez sem propósito algum, ou quem sabe somente para mostrar ao sol sua capacidade chuvosa de deixá-lo camuflado, depois de uma noite inteira de estrelas sem brilho, apagadas, mortas.
Observo daqui um domesticado preso por uma corda de piaçava, lá fora, embaixo de uma árvore imóvel, povoada por araras sem cor e periquitos selvagens.
A chuva agora parece querer cessar e o alazão se bate numa vã tentativa de se soltar das amarras. Há tempos eu também venho tentando me livrar das correntes. A corda que o prende ao tronco da árvore é forte demais para permiti-lo liberta-se. Somente agora desisti. Não da vida, de me livrar dos grilhões de decepções passadas e somente agora percebidas. Sou um perdedor condenado a reservar-me a uma conformada obrigatoriedade de continuar preso feito aquele animal lá fora.