POESIA PARA LER E REVIVER
A poesia de Claudete Morsch Pereira Soares traz uma visão nova, intimista e pessoal de temas recorrentes no cotidiano e indissociáveis da vida e do imaginário das pessoas, cujos afetos são o esteio de vivências anímicas que as singularizam, embora numa tessitura comum que as iguala. Ela revisita os momentos da infância, observa, com acuidade, a natureza, denuncia costumes e adversidades de personagens da arraia-miúda, ativa lembranças quase esquecidas, dialoga com a simplicidade de uma existência forjada em afetos e fatos bem distribuídos, avulta numa compreensão social ávida de soluções, ama o amor no colo de quem ama e com o qual compartilha uma trajetória feliz e profícua na arte de amar.
A vida de cada um de nós é feita de adventos e perdas. O momento que vem, tão logo chega, se esvai para virar saudade. Talvez nenhuma fase de nossa existência seja tão propensa a nos mergulhar na nostalgia como a infância, porque nela estamos puros, ingênuos, leves como a bonança que nos dá alegria plena. Assim, encontramos a poetisa em “Doçura”:
Cabe em mim esse universo de criança,
em que não existe tempo,
as horas se esparramam,
caudalosas,
em agitadas travessuras.
Do prolongamento da infância sobrevém a adolescência, que não deixa, a seu modo, de nos configurar para um jeito único de ser, com a dor e a delícia às quais se refere Caetano Veloso. Em meio a essas ilusões, as descobertas vão se sucedendo como em “Só uma música”:
De olhares matreiros, mas de uma pureza só.
Não havia lugar para a dor de gente grande,
que dilacera, oprime os corações.
Eram dores esquecidas, de namoricos passageiros,
de sonhos que perambulavam pelas noites agitadas
e amanheciam sem chão.
E tudo seguia então.
E era tudo tão bom.
E, nessa progressão afetiva, o amor vai se maturando e se fazendo imprescindível, moldando momentos e sensações nunca antes vivenciados, como em “Doces noites”:
Ah! Que doces eram as noites!
Nenhum veleiro agonizante, nenhum passo,
nenhum cão agitado, só mansidão, só calmaria.
Até o coração do amado, onde se recostava o meu peito,
batia suavemente.
Eu me agasalhava ainda mais,
amparada por aquela paz, aquele cheiro.
O amor abre as portas para um mundo seguro, em que almas e corpos se unem para se embriagar de vida, numa unidade da qual se despegar é improvável, porque o sentido comum já foi forjado. Mas isso não implica também não se desconhecer às vezes, como em “Solitude”, quando a alma se sabe contraditória e fugidia:
Há uma solidão em mim
Que nunca vai à festa
Que não tem hora marcada
E que me desassossega.
A poetisa também sabe que a poesia olha para si mesma, numa metalinguagem que já Fernando Pessoa descortinava ao escrever “Autopsicografia”. O poeta, que nela habita, semeia com palavras, para obter resultados dadivosos:
Acorda estrelas miúdas,
embala candidamente a lua
e cria o sol só para despertar as margaridas sumidas.
O absurdo da existência, não por si só, mas pela inépcia dos seres ditos pensantes, também faz a poetisa lançar seu grito de inconformidade. Exemplos como os dos milhares e milhares de crianças mortas na guerra da Síria, que ora choca o mundo, lhe dão cotidiana razão em seu canto pungente, como em “Querendo entender”:
A gente morre todo dia um cadinho querendo compreender
por que nascem e falecem tão rapidamente os amores,
e a bondade foge constantemente dos homens.
A gente se expande, querendo entender
por que as flores não se cansam de alegrar os jardins e nós
nos distanciamos tanto dos canteiros.
Já disse que uma boa causa social não salva um poema, mas acresço que o descompromisso não salva o poeta. Por isso, o compromisso com os desvalidos também é um tema no qual a poetisa mergulha com engenho, arte e comiseração, como em “Carregando a sua história”, no qual a mulher se reinventa para existir e dar conta das adversidades que lhe querem suprimir a vez e a voz:
Lá vai aquela mulher, cujas horas trazem mansidão e angústia,
Carregando a sua história,
buscando felicidade,
como tantos outros
famintos de vida.
Eu poderia continuar este roteiro de citações muito apropriadas acerca dos enfoques da poesia de Claudete Morsch Pereira Soares, mas creio que a apreciação do leitor é a mais abalizada e a mais legitimada para levá-lo, na cadeia interpretativa, a realçar seu valor e a estabelecer a conectividade, pela emoção e remissão aos sentimentos recônditos de cada um, pois tenho certeza de que essa interação haverá de produzir emoções e catarses singulares. A poesia da autora prima pela linguagem acessível, mas sem prescindir de uma densidade poética elevada, sem rebuscamentos inúteis. Quem fala com o coração fala com seu ser todo. E com todos os seres. Como faz Claudete, inteira, serena, intensa e criativa. Sua verve, por certo, encontrará guarida nesta semeadura a ser colhida pelos corações amantes e sensíveis.
(Prefácio da obra)
FAÇA UM CURSO:
www.portaldecursosrapidos.com.br/landro
A poesia de Claudete Morsch Pereira Soares traz uma visão nova, intimista e pessoal de temas recorrentes no cotidiano e indissociáveis da vida e do imaginário das pessoas, cujos afetos são o esteio de vivências anímicas que as singularizam, embora numa tessitura comum que as iguala. Ela revisita os momentos da infância, observa, com acuidade, a natureza, denuncia costumes e adversidades de personagens da arraia-miúda, ativa lembranças quase esquecidas, dialoga com a simplicidade de uma existência forjada em afetos e fatos bem distribuídos, avulta numa compreensão social ávida de soluções, ama o amor no colo de quem ama e com o qual compartilha uma trajetória feliz e profícua na arte de amar.
A vida de cada um de nós é feita de adventos e perdas. O momento que vem, tão logo chega, se esvai para virar saudade. Talvez nenhuma fase de nossa existência seja tão propensa a nos mergulhar na nostalgia como a infância, porque nela estamos puros, ingênuos, leves como a bonança que nos dá alegria plena. Assim, encontramos a poetisa em “Doçura”:
Cabe em mim esse universo de criança,
em que não existe tempo,
as horas se esparramam,
caudalosas,
em agitadas travessuras.
Do prolongamento da infância sobrevém a adolescência, que não deixa, a seu modo, de nos configurar para um jeito único de ser, com a dor e a delícia às quais se refere Caetano Veloso. Em meio a essas ilusões, as descobertas vão se sucedendo como em “Só uma música”:
De olhares matreiros, mas de uma pureza só.
Não havia lugar para a dor de gente grande,
que dilacera, oprime os corações.
Eram dores esquecidas, de namoricos passageiros,
de sonhos que perambulavam pelas noites agitadas
e amanheciam sem chão.
E tudo seguia então.
E era tudo tão bom.
E, nessa progressão afetiva, o amor vai se maturando e se fazendo imprescindível, moldando momentos e sensações nunca antes vivenciados, como em “Doces noites”:
Ah! Que doces eram as noites!
Nenhum veleiro agonizante, nenhum passo,
nenhum cão agitado, só mansidão, só calmaria.
Até o coração do amado, onde se recostava o meu peito,
batia suavemente.
Eu me agasalhava ainda mais,
amparada por aquela paz, aquele cheiro.
O amor abre as portas para um mundo seguro, em que almas e corpos se unem para se embriagar de vida, numa unidade da qual se despegar é improvável, porque o sentido comum já foi forjado. Mas isso não implica também não se desconhecer às vezes, como em “Solitude”, quando a alma se sabe contraditória e fugidia:
Há uma solidão em mim
Que nunca vai à festa
Que não tem hora marcada
E que me desassossega.
A poetisa também sabe que a poesia olha para si mesma, numa metalinguagem que já Fernando Pessoa descortinava ao escrever “Autopsicografia”. O poeta, que nela habita, semeia com palavras, para obter resultados dadivosos:
Acorda estrelas miúdas,
embala candidamente a lua
e cria o sol só para despertar as margaridas sumidas.
O absurdo da existência, não por si só, mas pela inépcia dos seres ditos pensantes, também faz a poetisa lançar seu grito de inconformidade. Exemplos como os dos milhares e milhares de crianças mortas na guerra da Síria, que ora choca o mundo, lhe dão cotidiana razão em seu canto pungente, como em “Querendo entender”:
A gente morre todo dia um cadinho querendo compreender
por que nascem e falecem tão rapidamente os amores,
e a bondade foge constantemente dos homens.
A gente se expande, querendo entender
por que as flores não se cansam de alegrar os jardins e nós
nos distanciamos tanto dos canteiros.
Já disse que uma boa causa social não salva um poema, mas acresço que o descompromisso não salva o poeta. Por isso, o compromisso com os desvalidos também é um tema no qual a poetisa mergulha com engenho, arte e comiseração, como em “Carregando a sua história”, no qual a mulher se reinventa para existir e dar conta das adversidades que lhe querem suprimir a vez e a voz:
Lá vai aquela mulher, cujas horas trazem mansidão e angústia,
Carregando a sua história,
buscando felicidade,
como tantos outros
famintos de vida.
Eu poderia continuar este roteiro de citações muito apropriadas acerca dos enfoques da poesia de Claudete Morsch Pereira Soares, mas creio que a apreciação do leitor é a mais abalizada e a mais legitimada para levá-lo, na cadeia interpretativa, a realçar seu valor e a estabelecer a conectividade, pela emoção e remissão aos sentimentos recônditos de cada um, pois tenho certeza de que essa interação haverá de produzir emoções e catarses singulares. A poesia da autora prima pela linguagem acessível, mas sem prescindir de uma densidade poética elevada, sem rebuscamentos inúteis. Quem fala com o coração fala com seu ser todo. E com todos os seres. Como faz Claudete, inteira, serena, intensa e criativa. Sua verve, por certo, encontrará guarida nesta semeadura a ser colhida pelos corações amantes e sensíveis.
(Prefácio da obra)
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