AUTOR E RECEPTOR: DOIS UNIVERSOS DISTINTOS

Agrada-me experimentar todo o tipo de interpretação feita pelo leitor, mas confesso que a cada dia me agrada mais e mais a utilização da metáfora, que é a princesa da linguagem. Entendo, depois de mais de 43 anos de exercício poético, que sem a presença da metáfora, a Poesia não se corporifica no poema – este que é a materialidade daquela. Não corro atrás da Poesia, é ela que me encontra e ocupa os meus neurônios e os intima, através da intuição, a emitir a centelha da inspiração – a soturna voz do Mistério, o único que realmente faz Poesia.Depois, é o desafio de universalizar o texto, minimizando o confessional subjacente à inicial lavratura, e que é sempre, na origem, linguagem intimista, subjetiva, especialmente quando o escrito emerge a partir de fatos, atos, enfim, experiências pessoais do poeta-autor. Todavia, não se trata de buscar "pureza" ou “riqueza” linguísticas, e, sim, beleza estética. No entanto, quem vai dizer do "estranhamento" produzido pelo conjunto verbal é o poeta-leitor. A mim cabe confessar que o poema é vertente tutorial de linguagem originalíssima – genuína – e o poeta-leitor, aquele que dá vida à matéria inanimada que o poema representa antes do ato de leitura, tem sua peculiar concepção, que não é necessariamente a mesma originalidade conceitual, visto que são dois universos diferenciados – ambos, únicos. Um e outro são tutores de seu universo individuado. A inconformidade ou animosidade frente à proposta textual e imagética que exsurge do texto poético é uma de suas possíveis vertentes. O "sim" ou o "não" do leitor faz parte dessa riqueza que a codificação verbal produz na mente e se fixa a partir das duas concepções de mundo: a do poeta-autor e a do poeta-leitor. Diferentemente da linguagem usual e direta do cotidiano prosaico, em que o sentido denotativo predomina absoluto, quase sempre em linguagem direta, objetiva e/ou executiva, o escrito não sugere, apenas diz e cumpre sua destinação clara, meramente indutora, indicativa e/ou explicitadora. Ou seja, a Poética sugere e a linguagem prosaica diz – objetivamente. Nesta última, a Palavra não vai além dela mesma – diz o que é e o que pretende – identifica o que se quer dizer e cumpre o fito de entendimento e compreensão entre os dialogantes. A linguagem poética, por estar assentada nas figuras de retórica, de estilo ou de linguagem, mormente através da metáfora, subverte o sentido original do vocábulo e lhe dá novo e diferenciado conceito ou sentido, graças à imagética. E se tem, a partir delas o Novo, surgindo no leitor os efeitos do sentido conotativo, que é o resultado concreto da codificação da linguagem. Cada humano ser tem o seu entendimento, o (seu) signo linguístico personalíssimo, o resultado dos significantes e significados. Como veem, meus caros, à medida que o tempo passa, somos apenas mais curtidos de mundo – com alguma gastura – mas com a similar e antiga vontade de fazê-lo mais prazeroso no momentâneo estado de felicidade pessoal que a Poesia propõe. Peço escusas pelo exercício intelectual a que fui levado, devido à bondosa e oportuna "confissão" de que os meus poemas da década de 80 eram de mais fácil compreensão. A Poética é sempre fonte de reflexões que levam à compreensão sobre o mundo fático, suas temáticas e altercações. E a compreensão disto exige tempo, estudo e muito trabalho. Continuemos os nossos diálogos em nome do entendimento. O poema – com Poesia – tem inúmeras faces e sempre depende de (seu) individuado receptor. Para o “plus” ou para a amplitude conveniente. Porque uma cabeça de mais de 70 anos é naturalmente complexa, em nome do que não pode ser revelado, especialmente em Poética. E acresça-se algo muito sensato: a Poesia não fala por si, não indica, não explicita. Consequentemente o poema é apenas uma proposta, uma sugestão que só terá vez, voz e palavra a partir do entendimento de quem está fora da conformação física do poema. A este personagem-chave eu chamo de poeta-leitor. A eventual revelação é do universo do receptor. Pode ocorrer ou não.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2017/18.

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